
Entidades representantes da indústria farmacêutica estudam ingressar na Justiça para questionar a nota técnica, aprovada na última segunda-feira (4/7) pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que distingue terapias avançadas de medicamentos em geral.
A nova regra, que à primeira vista parece uma mera classificação, altera o entendimento sobre a oferta dessas terapias. Planos somente estariam obrigados a ofertá-las quando aprovadas pela Conitec e incorporadas no Rol da ANS. Para representantes da indústria farmacêutica, isso representaria uma barreira ao acesso, ampliaria a pressão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a judicialização.
“Estamos avaliando. O fato é que uma medida com um alcance tão significativo como essa não foi precedida de um debate, de uma discussão na sociedade. Isso nos provoca muita surpresa”, afirmou ao Eye of Cleopatra o presidente da Interfarma, Renato Porto.
Porto, que já foi diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), argumenta que uma decisão de tamanho impacto geralmente é feita mediante um processo amplo de debates, com audiências públicas e consultas públicas. O que não ocorreu nesse caso. “Fomos pegos de surpresa”.
Diretor executivo da Sindusfarma, Nelson Mussolini tem avaliação semelhante. “Num tema tão relevante, a indústria não foi ouvida.” Mussolini afirma ser necessário aguardar a publicação da resolução, mas avalia que a nova regra teria impacto para todas as terapias avançadas que estão disponíveis no país. “Isso porque seria preciso a Avaliação Tecnológica em Saúde.”
A resolução também deve ter reflexos na oferta de terapias com células CAR-T, para tratamento de câncer — um campo ao mesmo tempo promissor mas que, em termos de custos para planos, pode ter efeitos devastadores. Não é difícil entender a razão. Doenças raras atingem uma parcela restrita da população. O número de casos de câncer, contudo, aumentam de forma expressiva, seja pelo envelhecimento da população, seja pelo estilo de vida.
Entre argumentos usados pela ANS estão o de que a regra poderia proteger pacientes. “Essa atribuição, contudo, não é desta agência. É da Anvisa. É ela quem analisa a eficácia e segurança de medicamentos e equipamentos”, diz Porto.
Antes da votação de segunda, um parecer jurídico sobre o tema foi feito pela ANS. O documento reforçou os termos que já haviam sido apresentados na nota técnica 3, feita por integrantes da agência. Entre os argumentos estava o de que seria preciso um tratamento diferenciado, sobretudo em virtude das características dessas terapias.
FenaSaúde elogia ANS
Em nota divulgada segunda, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), afirmou que as novas regras da ANS para cobertura de terapia avançada respeitam o rigor científico. “Essas terapias são de natureza complexa e inovadora. Por isso, um rito cuidadoso de aprovação garante mais segurança para a saúde dos pacientes”, diz a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, na nota.
Posicionamento da Abramge
Superintendente médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Cássio Ide Alves avalia que a classificação sugerida pela ANS não provoca uma mudança na regulação. “As terapias avançadas já são avaliadas de forma distinta pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), justamente por ser uma classe de medicamento especial, que exige uma análise diferenciada”, faltava apenas a ANS se posicionar, afirmou ao Eye of Cleopatra.
Ele observa ainda que entre as terapias avançadas presentes no país, apenas o Zolgensma passou pelos estudos de ATS (Avaliação de Tecnologia em Saúde) na Conitec e, por força da Lei 14.307/2022, foi incorporado automaticamente no Rol de Procedimentos e Eventos da ANS. “As terapias avançadas têm o registro sanitário com poucas e frágeis evidências científicas e, por esse motivo, é fundamental manter um monitoramento rigoroso junto aos pacientes que as utilizam”, disse Alves.