
A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que o aborto deixe de ser crime no país se provocado até a 12ª semana de gestação. Logo depois da apresentação do voto de 103 páginas da relatora, o ministro Luís Roberto Barroso destacou o julgamento para que ele continue no plenário físico, com direito a sustentações orais. Barroso será o próximo presidente da Corte, a quem caberá pautar o processo.
“No marco igualitário do constitucionalismo, a liberdade constitucional de escolha corresponde à igual dignidade que é atribuída a cada um. A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade”, avalia a ministra Rosa Weber.
Para a ministra, a “tutela da vida humana intrauterina é construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela, tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar. Se é assim, a intervenção estatal sancionatória, radicada na punição criminal da decisão da mulher, deve demonstrar compatibilidade com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade na proteção dos interesses constitucionais em conflito, o que não se verifica”.
A fórmula institucional atualmente empregada se mostra excessiva, afirma Rosa Weber, “ao não considerar a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prência absoluta à tutela da vida em potencial (feto)”. Rosa Weber aponta que “a norma inscrita no art. 5º, caput , da CF, não prescreve o feto como uma pessoa constitucional, sujeito titular de direitos fundamentais”. E que “o único fundamento de proteção da vida humana, em particular do feto, como finalidade bastante para amparar a legitimidade dos arts. 124 e 126 do Código Penal, não responde às exigências constitucionais da regra da proporcionalidade, em suas subregras da adequação e da necessidade”, afirma a ministra.
A subinclusão da regra dos arts. 124 e 126 – que tratam do aborto- no Código Penal brasileiro afasta o compromisso com a fidelidade constitucional da tutela penal na hipótese da interrupção voluntária da gestação nas doze primeiras semanas, ao excluir, assim como o direito brasileiro erigido no alvorecer do século XIX, a mulher como sujeito autônomo de direito no tecido social e jurídico, escreveu a ministra.
Rosa Weber pondera que “há razões para presumir por parte do Estado a inaceitabilidade moral da decisão pelo aborto, no exercício do direito fundamental à dignidade da mulher”. Mas a premissa estatal no sentido do equívoco de uma decisão da mulher pela interrupção voluntária da gravidez invade a esfera mais profunda da sua moralidade autônoma e refuta o pluralismo que caracteriza a ética da nossa democracia constitucional.
“Essa questão envolve um das mais íntimas escolhas que a mulher pode fazer ao longo de sua vida, decisão fundamental para a construção da sua dignidade e autonomia pessoal. O Estado não pode julgar que uma mulher falhou no agir da sua liberdade e da construção do seu ethos pessoal apenas porque sua decisão não converge com a orientação presumivelmente aceita como correta pelo Estado ou pela sociedade, da perspectiva de uma moralidade”, fundamenta a ministra.
A criminalização do aborto, afirma a ministra Rosa Weber, perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta. “Tanto que pouco – ou nada – se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade”, critica.
A ministra Rosa Weber avalia que a solução para a redução das taxas de aborto está “na observação das causas relacionadas ao problema da gravidez indesejada e na opção pela interrupção voluntária como forma de solução, que necessariamente são várias e estão interligadas, por se tratar de autêntico problema estrutural na área da saúde sexual e reprodutiva”.
A dimensão prestacional da justiça social reprodutiva, afirma Weber, explica a desconstituição da validade da política punitiva de encarceramento, que não se demonstra suficiente e proporcional enquanto política pública de desestímulo à gravidez indesejada, tampouco eficaz na perseguição da sua finalidade subjacente, que é tutela da vida humana.
Caberá ao ministro Luís Roberto Barroso, futuro presidente do STF, pautar novamente o julgamento, agora em plenário físico. Quando há destaque, o julgamento é reiniciado e retomado com as sustentações orais. Como a ministra Rosa Weber se aposenta no dia 2 de outubro, o voto dela em prol da descrminalização do aborto continuará válido.
Entenda o julgamento da ação no STF que pode descriminalizar o aborto antes da 12ª semana
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acionou o STF em março de 2017 para que a Corte se manifestasse sobre a descriminalização do abroto. A agremiação afirma que os artigos 124 e 126 do Código de Processo Penal (CPP), que tratam do crime de aborto, violam direitos fundamentais das mulheres e pede que o STF declare a não recepção parcial dos artigos pela Constituição para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas.
Para o PSOL, a criminalização do aborto fere os seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, da cidadania e da promoção do bem de todas as pessoas, sem qualquer forma de discriminação. O partido argumenta que a criminalização do aborto e a consequente imposição da gravidez compulsória compromete a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, pois não lhes reconhece a capacidade ética e política de tomar decisões reprodutivas relevantes para a realização de seu projeto de vida.
Além disso, o partido afirma que a criminalização afeta desproporcionalmente mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante de centros urbanos, onde os métodos para a realização de um aborto são mais inseguros do que aqueles utilizados por mulheres com maior acesso à informação e poder econômico, resultando em uma grave afronta ao princípio da não discriminação.
A maioria das manifestações de entidades que pediram para ser amicus curiae no processo são favoráveis à descriminalização do aborto.