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Aborto no STF

PL pede a STF que aborto provocado por terceiro seja punido como homicídio qualificado

Partido alega que atuais penas são insuficientes e ferem o princípio da dignidade humana, dentre outros

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O presidente nacional do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto / Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

O Partido Liberal (PL) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.

O partido alega que as atuais penas para o crime, previstas pelo Código Penal brasileiro, são insuficientes e desproporcionais em relação a outros crimes considerados “atos contra a vida”, o que ofende a Constituição.

A legislação contestada prevê penas de 1 a 4 anos de reclusão em casos de abortos provocados por terceiros com consentimento, e de 3 a dez anos em casos sem consentimento. Já para o homicídio qualificado, a pena é de 12 a 30 anos.

“De fato, o tratamento desigual pelo legislador acerca da proteção ao bem jurídico ‘vida’, de envergadura Constitucional, seja a do ser humano intrauterino ou extrauterino, não faz sentido e viola, ao fim e ao cabo, o comando de proteção que se extrai do caput do art. 5º da Carta Magna”, diz o PL.

O partido afirma que a desproporcionalidade na punição fere os princípios previstos na Constituição da dignidade da pessoa humana (art. 1º), da não discriminação, (arts. 3º, IV, 5º, caput), bem como os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante (arts. 5º, caput e inciso III), à maternidade e à infância, à saúde (arts. 6º e 196), à família e ao planejamento familiar (art. 226, §7º, CF/88), à proteção integral e com absoluta prioridade;

Para o PL, o aborto configura “emprego de tortura” ao feto. “Ora, não há como negar que o aborto praticado por terceiro, independentemente do consentimento da mãe, é conduta odiosa que sempre configurará um ato contra a vida que torna impossível a defesa do ofendido (art. 121, §2º, IV, CP) e cuja prática pressupõe o emprego de tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, §2º, III, CP)”, escreve o partido.

E completa: “Essa odiosa realidade impõe ao Estado uma tutela eficaz e eficiente ao direito à vida intrauterina da mesma forma como protegemos aqueles que já nasceram, pois não há diferença ontológica entre os seres em razão de sua idade. A vida deve ser preservada em todas as suas fases!”.

O partido pediu ao STF que seja concedida medida cautelar para suspender a aplicação dos artigos contidos no Código Penal e que, portanto, as penas equiparadas ao homicídio qualificado sejam aplicadas imediatamente para abortos provocados por terceiros.

Os pedidos foram feitos na ADPF 442, em que discute a descriminalização do aborto.

O voto de Rosa Weber para descriminalizar o aborto

Na última sexta-feira (22/9), a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),votou para que o aborto deixe de ser crime no país se provocado até a 12ª semana de gestação. Logo depois da apresentação do voto de 103 páginas da relatora, o ministro Luís Roberto Barroso destacou o julgamento para que ele continue no plenário físico, com direito a sustentações orais. Barroso será o próximo presidente da Corte, a quem caberá pautar o processo.

“No marco igualitário do constitucionalismo, a liberdade constitucional de escolha corresponde à igual dignidade que é atribuída a cada um. A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade”, avalia a ministra Rosa Weber.

Para a ministra, a “tutela da vida humana intrauterina é construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela, tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar. Se é assim, a intervenção estatal sancionatória, radicada na punição criminal da decisão da mulher, deve demonstrar compatibilidade com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade na proteção dos interesses constitucionais em conflito, o que não se verifica”.

A fórmula institucional atualmente empregada se mostra excessiva, afirma Rosa Weber, “ao não considerar a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prência absoluta à tutela da vida em potencial (feto)”. Rosa Weber aponta que “a norma inscrita no art. 5º, caput , da CF, não prescreve o feto como uma pessoa constitucional, sujeito titular de direitos fundamentais”. E que “o único fundamento de proteção da vida humana, em particular do feto, como finalidade bastante para amparar a legitimidade dos arts. 124 e 126 do Código Penal, não responde às exigências constitucionais da regra da proporcionalidade, em suas subregras da adequação e da necessidade”, afirma a ministra.

A subinclusão da regra dos arts. 124 e 126 – que tratam do aborto- no Código Penal brasileiro afasta o compromisso com a fidelidade constitucional da tutela penal na hipótese da interrupção voluntária da gestação nas doze primeiras semanas, ao excluir, assim como o direito brasileiro erigido no alvorecer do século XIX, a mulher como sujeito autônomo de direito no tecido social e jurídico, escreveu a ministra.

Rosa Weber pondera que “há razões para presumir por parte do Estado a inaceitabilidade moral da decisão pelo aborto, no exercício do direito fundamental à dignidade da mulher”. Mas a premissa estatal no sentido do equívoco de uma decisão da mulher pela interrupção voluntária da gravidez invade a esfera mais profunda da sua moralidade autônoma e refuta o pluralismo que caracteriza a ética da nossa democracia constitucional.

“Essa questão envolve um das mais íntimas escolhas que a mulher pode fazer ao longo de sua vida, decisão fundamental para a construção da sua dignidade e autonomia pessoal. O Estado não pode julgar que uma mulher falhou no agir da sua liberdade e da construção do seu ethos pessoal apenas porque sua decisão não converge com a orientação presumivelmente aceita como correta pelo Estado ou pela sociedade, da perspectiva de uma moralidade”, fundamenta a ministra.

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