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Estrangeirização de terras

Julgamento sobre terras estrangeiras é o primeiro empate após saída de Lewandowski

É preciso aguardar proclamação do resultado para ver qual solução será apresentada pela presidente do tribunal, Rosa Weber

empate no STF
Presidente do Supremo, ministra Rosa Weber | Crédito: Carlos Moura/SCO/STF

Com um placar de 5 a 5, há empate entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento que decide se referenda ou não a liminar do ministro André Mendonça sobre a suspensão de processos judiciais que tratem sobre compra e venda de terras por estrangeiros. Diante do empate, caberá aguardar a proclamação do resultado para ver qual solução será apresentada pela presidente do tribunal, ministra Rosa Weber.

O regimento interno do STF comporta diferentes saídas para os casos de empate e não prevê uma solução única. Rosa Weber poderia suspender o julgamento até a chegada do novo ministro para desempatar — solução adotada por gestões anteriores –, pode fazer um voto de desempate ou aplicar um artigo que prevê que em casos com urgência, na falta de um ministro, o empate significaria a negativa da demanda. Se houver a suspensão do julgamento, a liminar de Mendonça continua válida.

No dia 26 de abril, o ministro André Mendonça atendeu a um pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e suspendeu todos os processos judiciais em trâmite no Brasil que versam sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior.

A suspensão não se estende a processos administrativos e negócios jurídicos em curso, assim, cartórios de registro de imóveis poderão continuar atuando.

Os ministros Edson Fachin,Dias Toffoli,Cármen LúciaeNunes Marques concordaram em manter a liminar de Mendonça. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes divergiu por entender que a cautelar trará insegurança jurídica à aquisição de terras no Brasil, em especial, por empresas de capital estrangeiro.

“Não há a demonstração de que exista uma correlação entre a suspensão dos processos judiciais pendentes e atendimento positivo a um cenário de insegurança jurídica”, indicou Moraes.

“Enquanto viger a medida cautelar, mais do que exigir que as empresas nacionais de capital estrangeiro sujeitem-se aos condicionamentos da Lei 5.709/1971, tais empresas, na prática, estarão diante limitação ainda maior para a aquisição de imóvel rural”, escreveu Moraes.

“A despeito de se ter compreendido como desnecessária a suspensão dos ‘negócios jurídicos’ em curso, certo é que se está a interferir em diversas relações negociais, com impactos econômicos sequer estimados. Diante dessa perspectiva, a decisão submetida a referendo, ocasiona uma situação de insegurança jurídica substancialmente maior do que a manutenção do estado a ela anterior”, acrescentou.

Acompanharam Moraes os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar MendeseLuiz Fux. No entanto, os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes ponderaram que acompanharam Moraes no referendo, mas sem a antecipação de seus posicionamentos quanto ao mérito da demanda.

A liminar

Mendonça suspendeu os processos em uma liminar proferida tanto na Ação Cível Originária (ACO) 2463 quanto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342, que tratam sobre a aquisição de terras por estrangeiros no país, bem como dos negócios de compra e venda de terras propriamente. A discussão centra-se no fato de o artigo 1º, § 1º, da Lei 5.709/1971 ter sido recepcionado ou não pela Constituição de 1988.

Para o ministro, como os julgamentos das duas ações estão paralisados por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes e, portanto, pendente de inserção do julgamento na pauta do plenário, a suspensão nacional faz-se necessária para evitar insegurança jurídica no país.

Em seu voto, Mendonça relembra que o julgamento foi interrompido após o voto do ministro Alexandre de Moraes, que divergiu do relator, Marco Aurélio – antecessor de Mendonça no STF. Marco Aurélio já tinha o apoio de Nunes Marques, portanto, o placar estava 2 a 1.

O pedido da OAB foi feito em março deste ano – não só o seu ingresso como terceiro interessado nas ações, mas também a solicitação de suspensão nacional dos processos por entender que a lei como está gera o fenômeno da estrangeirização de terras no Brasil.

A OAB diz que a questão diz respeito “à garantia da soberania nacional, da ordem econômica, da distribuição de terras, função social da propriedade, soberania alimentar (ao se entregar a decisão sobre o que será plantado e qual sua destinação sob o crivo de empresas estrangeiras), dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais, entre outros temas cruciais à soberania nacional e aos direitos fundamentais”.

Lei de Terras

Há duas ações no STF discutindo o assunto da aquisição de terras por estrangeiros. A ADPF 342 foi ajuizada em 2015 pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), com o objetivo de que o Supremo reconheça a incompatibilidade da Lei 5.709/71, que regula a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, com a Constituição Federal. A SRB alega que a lei traz tratamento diferenciado a pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro, violando os preceitos da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação.

Já a ACO 2463 foi proposta pela União e pelo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra o estado de São Paulo, buscando anular um parecer da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os tabeliães e os oficiais de registro de observarem o previsto na lei sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

O julgamento das duas ações começou em conjunto. O relator, o ex-ministro Marco Aurélio, entendeu que a ADPF 342 é improcedente. “A norma atende à proporcionalidade em sentido estrito na medida em que não inviabiliza a aquisição de terras, mas a regula, direcionando, à liberdade econômica, restrição razoável frente à consecução de preceitos fundamentais”, escreveu o ministro.

Para ele, a terra rural ocupa “posição nuclear na condução dos assuntos econômicos tendo em conta a distribuição desigual”. E acrescentou: “A atuação estatal mostra-se promotora da paz e justiça sociais. A assim não se concluir, a liberdade absoluta à circulação de capital estrangeiro ensejaria graves reflexos do capital especulativo na questão agrária, com o aumento de latifúndios e conflitos agrários”.

Já na ACO 2463, Marco Aurélio entendeu que o parecer da corregedoria de São Paulo é nulo, uma vez que o ato foi elaborado levando em conta a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do dispositivo da lei que regulamenta a aquisição de terras, a partir de um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Tem-se a ilegalidade, uma vez que o pronunciamento sobre a não recepção ocorreu em sede de controle concreto e incidental de constitucionalidade. Apenas o Supremo, atuando no controle abstrato, com eficácia vinculante e contra todos, pode retirar do mundo jurídico a referida norma”.

O ministro Alexandre de Moraes discorda de Marco Aurélio nas duas ações. Para Moraes, o artigo 171, I, da Constituição, ao definir o conceito de empresa brasileira, não fez distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, “razão pela qual as restrições previstas no § 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971, não mais se justificariam”. Para o ministro, mesmo a alteração no dispositivo, feita em 1995, não altera o fato da lei não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988.

“Não restavam dúvidas, portanto, sobre a impossibilidade de tratamentos discriminatórios permanentes entre empresas brasileiras de capital nacional e de capital estrangeiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao menos na vigência da redação original do artigo 171”, diz Moraes.

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