
O ministro Luiz Fux votou contra a implementação do juiz das garantias no Brasil. Ele é o relator das quatro ações que discutem o tema no Supremo Tribunal Federal (STF). Fux terminou de votar nesta quarta-feira (28/6) — esta é a quinta sessão em que a Corte se debruça sobre a matéria e não há data definida para o término da discussão.
Antes mesmo de Fux terminar a leitura de seu voto, o ministro Dias Toffoli comunicou que pediria vista e, portanto, interromper o julgamento que discute a constitucionalidade do dispositivo que criou a figura do juiz de garantias, instituído no Pacote Anticrime, de 2019. Toffoli se comprometeu a entregar o processo na primeira semana após o recesso do Judiciário. A presidente do Tribunal, Rosa Weber, marcou o retorno do julgamento para o dia 9 de agosto.
Dessa forma, a matéria poderá ser votada pelo plenário completo, quando Cristiano Zanin já fará parte da Corte como novo membro. A posse será em 3 de agosto.
O relator leu o voto em três sessões e, para justificar a não instalação do juiz das garantias no Brasil, Fux afirmou que ela refundaria a Justiça Criminal brasileira.
“Nos moldes impostos pela lei, o juiz das garantias não passa de um nome sedutor, para uma cláusula que atentará contra a concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos, do acesso à justiça, para normatividade dos direitos fundamentais”, afirmou.
Segundo o relator, o modelo demandaria a criação de vagas e de uma nova competência judicial em todas as unidades judiciárias do país, o que violaria a competência privativa dos tribunais para iniciativa de projeto de lei voltado a regular a matéria. “É uma falácia dizer que vai se instalar o juiz de garantias sem gastar nenhum tostão”, afirmou o relator.
Na visão de Fux, a União e o Congresso Nacional não poderiam definir normas de funcionamento da Justiça Criminal dos demais entes federados, uma vez que a Constituição Federal determina que cabe aos entes subnacionais legislar sobre a estrutura e o funcionamento do Judiciário local. Além disso, Fux sustentou que as normas sobre juiz das garantias previstas na lei são procedimentais e, por isso, não poderiam ser incluídas no projeto de lei por meio de emenda parlamentar.
Na análise de Fux, a lei também viola a competência privativa do Supremo para iniciativa de lei complementar para criação ou modificação de regras relativas ao Estatuto da Magistratura.
Assim, para Fux, o juiz de garantias afronta o pacto federativo, viola a reserva constitucional de iniciativa de lei em matéria de organização judiciária e não respeita a exigência prévia de dotação orçamentária para implementação de alterações organizacionais, além de não cumprir o devido processo legislativo.
O ministro votou para conferir interpretação conforme a Constituição de modo que não seja compulsório o estabelecimento do juízo de garantias diante da dificuldade de cada local. “Ou seja, com isso eu quero dizer que cada localidade tem sua organização judiciária e dentro das suas possibilidades vai organizar o juízo de garantias.”
Mesmo assim, sustentou que o modelo do juiz de garantias não trará mais isenção e imparcialidade dos magistrados, visto que existem mecanismos na legislação para isso, e defendeu que a existência de estudos empíricos sobre vieses em processos decisórios não autoriza a presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tende a favorecer um lado em detrimento do outro. “Talvez tenham levado a ferro e fogo essa questão que a Justiça é cega, mas o juiz não é. Ele precisa ver as provas”, afirmou.
“A toda evidência, não se pode presumir a parcialidade do juiz e determinar seu impedimento para o processo de julgamento feito simplesmente por sua atuação na fiscalização judicial dos órgãos de persecução penal. Imputar aos juízes criminais a pecha apriorística de agir imparcialmente em todo qualquer cargo de investigação criminal não encontra mínimo na Constituição nem na Lei Orgânica da Magistratura, revelando-se inconstitucional a lei ordinária que estabeleça essa presunção de parcialidade”, acrescentou.
Por uma liminar, o juiz de garantias está suspenso pelo Supremo desde janeiro de 2020. Pela lei, na fase de investigação e recebimento da acusação, atuará o juiz das garantias, enquanto na fase de julgamento, o juiz de julgamento não receberá, nem se contaminará pelo produzido na fase anterior.
A discussão ocorre nas ADIs 6298,6299,6300e6305.
Entenda
A figura do juiz de garantias foi introduzida no Código de Processo Penal (CPP) pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). A legislação estabelece uma divisão de competências no Judiciário. Um magistrado ficaria incumbido de realizar diligências durante a fase de investigação — o juiz de garantais — e outro do julgamento do réu. Hoje, tudo fica nas mãos do juiz de primeira instância.
As ações foram propostas pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB) e Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), autoras da ADI 6298, pelos partidos Cidadania e Podemos (6299), pelo União Brasil (ADI 6300) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), requerente da ADI 6305.
Contra
As entidades representativas de magistrados alegaram que não são contra o juiz de garantais, mas contra o modelo proposto. Alberto Pavie Ribeiro, advogado que se manifestou em nome das associações, afirmou que a lei não considerou a existência de um número suficiente de juízes e de orçamento para a implantação.
A norma não trata de alterações meramente processuais, mas praticamente da criação de “uma nova instância dentro da primeira instância”, disse Caio Chaves Morau, representante do Cidadania, que também censurou a falta de estudos sobre o impacto fiscal e financeiro. Pelo União Brasil, Arthur Rollo declarou que a medida, nesses moldes, é “materialmente inexequível”.
Joelson Dias, sustentando pelo Podemos, resumiu da seguinte maneira: “A ausência de recursos para a implementação das atividades do juiz nas garantias, a existência de outros bens para a análise da imparcialidade e a adequação da norma sem a necessária participação do Judiciário eventualmente poderá acarretar a inoperância do sistema e consequentemente, e não menos importante, um comprometimento da própria garantia que se quer assegurar.”
Já Aristides Junqueira, da Conamp, criticou a possibilidade de interferência do juiz em prerrogativas do Ministério Público na fase de investigação ou de acordo de não persecução penal.
A favor
Isadora Arruda, que falou pela Advocacia-Geral da União (AGU), frisou a necessidade de reconhecimento de um avanço legislativo em direção à experiência civilizatória, mencionando exemplos de países da Europa e da América do Sul. Segundo ela, o modelo de divisão de competências garante mais isenção e imparcialidade na hora do julgamento.
“Não se está, em absoluto, a presumir ou afirmar que os juízes brasileiros teriam tendências que favoreceriam a acusação. Cuida-se, tão somente, de reconhecer que, diante de possibilidade de erro, de imprecisões inerentes à natureza humana, são essenciais e importantes mecanismos que garantem uma maior imparcialidade objetiva.” afirmou Arruda.
Pelos amici curiae Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas e Associação Juízes para a Democracia, Aury Lopes Jr. declarou que o processo legislativo foi validamente observado e que o país precisa do juiz das garantais. “Se existe algo de inconstitucional nessa discussão toda, é o nosso Código de Processo Penal e a nossa estrutura inquisitória e autoritária que perdura até hoje. ”