
Semana passada, o anúncio de que o economista Aloizio Mercadante era o indicado para o BNDES foi duramente criticado. De um lado, há quem argumente que a nomeação viola a Lei das Estatais, que veda a nomeação de pessoas envolvidas com partidos políticos ou em campanhas eleitorais para cargos em empresas estatais. De outro, muitos manifestaram preocupação com o risco de o governo eleito embarcar novamente em uma política de promoção de campeões nacionais, que é apontada como totalmente equivocada por diversos economistas.
O buraco, todavia, é mais embaixo. A nomeação não aponta apenas para o risco de um retorno a uma política de campeões nacionais, mas sinaliza também que o governo poderia abraçar novamente políticas desenvolvimentistas. O desenvolvimentismo, em geral, é distinto do controle do Estado sobre a economia porque há intervenções estatais, mas essas ocorrem no contexto de um sistema capitalista de produção. Através de política industrial, incentivos fiscais, subsídios diretos, e às vezes controle acionário, muitas dessas intervenções distorcem dinâmicas de mercado na busca de um objetivo econômico pré-determinado.
Há debates sobre a efetividade das políticas desenvolvimentistas, mas é preciso considerar também as implicações institucionais de um Estado desenvolvimentista. Há quem argumente que o Estado desenvolvimentista existe apenas em regimes autocráticos, enquanto outros acreditam que ele é compatível com sistemas democráticos. Enquanto há exemplos de países que conciliam o Estado desenvolvimentista com processos eleitorais, a questão fica um pouco mais espinhosa quando se tenta reconciliar tal Estado com práticas de transparência, imparcialidade e proteções de minorias (como argumentei aqui).
As tensões entre o Estado desenvolvimentista dos governos anteriores do PT e as agências reguladoras ilustra bem o problema. A implementação de políticas desenvolvimentistas não se coaduna com as instituições adotadas durante o processo de privatização. Com influência do Consenso de Washington, as agências reguladoras foram concebidas dentro de um modelo neoliberal de atuação do Estado na economia. O Estado desenvolvimentista não subscreve esses pressupostos neoliberais. Portanto, a tensão era inevitável. A cuidadosa análise empírica de Mariana Batista da Silva mostra que a partir de 2003 as agências reguladoras brasileiras sofreram medidas que reduziram significativamente sua independência e efetividade. Essas medidas incluíram cortes orçamentários, renúncias e vacâncias (cargos vagos que não foram preenchidos).
Como argumentou Floriano de Azevedo Marques nessa coluna, espera-se que o novo governo reverta o desmonte das agências reguladoras que ocorreu durante o governo Bolsonaro. Todavia, o histórico dos governos do PT, aliado agora à nomeação de Mercadante, não parecem indicar que estamos caminhando na direção certa. O mundo todo está em busca de um novo equilíbrio entre Estado e mercado, mas isso requer arranjos inovadores e não antigas práticas (tanto neoliberais quanto intervencionistas) que já se mostraram ineficazes.