
Entre críticas de que sua versão final aprovada na Câmara dos Deputados ficou frouxa e outras de que apertou demais, o arcabouço fiscal segue provocando discussões. Uma delas é sobre como se construirá o orçamento de 2024 a partir das alterações que a Câmara fez nas regras de correção pela inflação e da possibilidade de gasto adicional apenas a partir de maio de 2024, por meio de créditos suplementares.
Há uma preocupação relevante, sobretudo no Ministério do Planejamento, em torno das “perdas” provocadas principalmente pela troca da regra de usar a inflação projetada para o ano pela efetiva em 12 meses até junho. Essa substituição da regra implica que o governo deve deixar de fora do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), a ser enviado no fim de agosto, algo entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, que só deverão ser incorporados aos limites em janeiro, depois de conhecido o resultado fechado do IPCA deste ano.
No caso da questão do gasto adicional para o próximo ano, possibilidade prevista no artigo 15 do substitutivo (um complexo mecanismo que a Câmara criou para não dar de mão beijada o espaço máximo de 2,5% de alta real no gasto), as estimativas de impacto variam bastante, entre R$ 15 bilhões e R$ 40 bilhões, a depender da hipótese de crescimento real da receita a ser feita em maio de 2024.
Nesse quadro, uma das possibilidades que o governo pode lançar mão é de fazer o projeto de orçamento com despesas condicionadas a esses dois eventos. O expediente já foi usado em algumas ocasiões nas quais havia incerteza, como nos momentos em que a regra de ouro das contas públicas estava sendo descumprida e o governo precisava de uma autorização do Congresso para gastar sem cometer crime de responsabilidade.
Ainda não há decisão de se caminhar por essa linha, até porque o arcabouço ainda precisa ser votado no Senado e nada impede que tanto o artigo 15 como a regra da inflação sejam alterados. Aliás, curiosamente, apesar de o Ministério da Fazenda estar no momento priorizando a conclusão do processo no Senado, ou seja, não querendo alterações, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, aventou a possibilidade de fazer “aperfeiçoamentos” no texto, o que o devolveria para a Câmara. A ideia não parece muito boa dado o quadro político complexo.
Seja como for, uma das principais questões em jogo nessa confusão imposta por esses detalhes do arcabouço fiscal aprovado na Câmara é qual vai ser o tamanho da despesa discricionária do governo, aquela que o Executivo pode alocar com maior grau de liberdade. Nesse grupo estão desde custeio da máquina até gastos com investimentos, normalmente bastante sacrificados na execução de um orçamento apertado.
Em 2023, com a PEC da Transição e os ajustes feitos no início do ano, o governo trabalha com um cenário de R$ 193,9 bilhões nos gastos livres, algo em torno de 1,8% do PIB. É um volume bem maior do que o verificado nos últimos três anos e ligeiramente acima da média de todo o período de vigência do teto, iniciado em 2017. Em comparação com toda a série do Tesouro para esse gasto, o volume está abaixo, já que a média de 2008 a 2022 foi de 2,1%, ainda que em termos de valores efetivos atualizados pelo IPCA o valor seja ligeiramente maior.
No PLDO de 2024, a estimativa de despesa discricionária, que já levou em conta a proposta original de arcabouço fiscal, estava em R$ 196 bilhões, que deflacionado seria em torno de R$ 188 bilhões. Não está claro o parâmetro usado para o cálculo desse valor no PLDO.
Para o consultor de orçamento da Câmara Ricardo Volpe, com o desenho do arcabouço aprovado, a despesa discricionária no PLOA de 2024 deve ficar em torno de R$ 190 bilhões. “Com os créditos, pode chegar a algo na faixa de R$ 245 bilhões, a depender de quanto aumentar a despesa obrigatória, especialmente o salário mínimo”, explicou.
Ele aponta que os sinais são de que o governo queria algo mais perto de R$ 240 bilhões nas discricionárias e que também não gostaria de orçar as despesas a menor e esperar o início do exercício para corrigi-las em janeiro (pela inflação efetiva) e em maio (pela receita a ser estimada). “A Câmara optou por dar aos poucos o aumento de limite do Executivo, pois, quanto maior o limite de 2024, maior o aumento de receita requerido para se atingir a meta de resultado primário (zerar o deficit em 2024)“, lembrou.
Seja como for, o governo realmente terá menos dinheiro do que gostaria para executar seus projetos. Mas é preciso salientar que terá uma situação bem melhor em termos orçamentários do que o seu antecessor e próxima da média histórica, o que já é um bônus, especialmente se for considerado que a alternativa seria voltar ao regime do teto de gastos.