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coluna do graner

Decisão do Copom é defensável tecnicamente, mas foi pensada politicamente

Ainda que a cobrança do governo por juros menores provavelmente continue, Campos Neto busca acalmar Haddad

Copom
Integrantes do Copom na reunião desta quarta-feira (2/8). Crédito: Raphael Ribeiro/BCB

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de cortar a taxa Selic em 0,5 ponto, para 13,25% ao ano, tem respaldo técnico. Mas o placar do colegiado mostrou que a opção por uma largada mais forte do que o corte de 0,25 ponto majoritariamente esperado pelos analistas teve claramente intenção política.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, se alinhou aos novos diretores Gabriel Galípolo (Política Monetária) e Ailton Aquino (Fiscalização), indicados pelo atual governo, para uma largada mais forte no ciclo de afrouxamento. Além dos três, votaram pela corte de 0,5 os diretores da casa Carolina Barros (Administração) e Otávio Damaso (Regulação) – este já participou do Copom nas gestões petistas, quando Henrique Meirelles presidiu e também no polêmico comando de Alexandre Tombini.

Ao compor com o grupo mais “dove”, Campos Neto surpreendeu ao contrariar os diretores mais ortodoxos, ala composta por Diogo Guillen (Política Econômica, o principal responsável pela formulação teórica do Copom), Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais), Maurício Moura (Relacionamento e Cidadania) e Renato Gomes (Organização do Sistema Financeiro).

Ainda que a cobrança por juros menores provavelmente tenha continuidade no governo, ao arbitrar pelo corte maior agora, Campos Neto busca acalmar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que elogiou a decisão e no mês passado fez um gesto ao BC ao manter a meta de inflação em 3%.

Além disso, também mira conter os focos de irritação no Parlamento, em especial no Senado. Até pouco tempo, ele estava totalmente blindado por deputados e senadores (esses últimos efetivamente têm poder para tirá-lo do cargo), mas o alongamento dos juros em 13,75% ao ano estava gerando fraturas nessa proteção, com até mesmo aliados cobrando uma nova postura.

Os puristas talvez questionem que o principal líder do BC tome uma decisão com cálculos políticos (provavelmente ele não admitirá isso jamais). Mas essa não será a primeira nem a última vez. Mesmo os comandantes mais poderosos, como Meirelles e Armínio Fraga, no passado tiveram seus momentos de negociar com a política. E a autonomia legal dada a Campos Neto e aos demais diretores não é um salvo conduto pleno e qualquer pessoa atenta percebe o que está ocorrendo na fogueira permanente de Brasília. RCN é atento.

Ainda no campo da política, outro ponto importante é que Galípolo, ex-número 2 da Fazenda, não só entregou o esperado e mostrou a que veio, mas, com essa decisão, reforça seu favoritismo para substituir Campos Neto no comando do BC em 2025.

Isso não implica de maneira alguma dizer que a decisão tomada pelo Copom foi irresponsável ou errada. Há razões objetivas para o corte maior ter sido feito, que veio acompanhado de um anúncio (este sim unânime) de que esse ritmo deve se manter nas próximas reuniões.

O principal argumento para esses dois movimentos é que não só a inflação está caindo, como as projeções de inflação mostram que o IPCA está caminhando para a meta no “horizonte relevante” da política monetária. Apesar disso, o quadro ainda exige uma política contracionista, ou seja, a taxa seguirá alta e segurando a economia (que já está em ritmo mais moderado) por um tempo, ainda que em menor intensidade.

Outro ponto interessante da decisão do Copom, cujos detalhes serão melhor conhecidos na próxima terça-feira (8), é que ela acabou desmentindo Campos Neto. Nos últimos tempos, ele vinha se defendendo dos ataques de que era só um voto no colegiado. Mas foi dele, literalmente, a manifestação decisiva que fez a balança pender para o corte mais intenso dos juros. Como disse Haddad, espera-se agora que o ambiente econômico fique mais otimista.

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