
“Eu lamento muito que o acordo tenha retroagido.” A fala lacônica do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após a retirada de pauta do projeto de lei 2.370/2019 (Direitos Autorais), na semana passada, expôs as dificuldades da política na construção de uma agenda de regulação do meio digital. A aprovação de regras de direitos autorais para o conteúdo audiovisual no streaming abriria caminho para outro item prioritário no roteiro do alagoano, com vistas a se posicionar como articulador do ordenamento digital no país: o PL 2630/2020 (Fake News).
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Lira falhou na tentativa de pavimentar o caminho do projeto, a partir de uma trégua entre empresas de radiodifusão e artistas a respeito da incidência do novo modelo de direitos em contratos de obras já concluídas e disponibilizadas nas plataformas.
Chegou-se a anunciar acordo entre radiodifusão e artistas pela cobrança de direitos a mais profissionais envolvidos nas obras audiovisuais, excluindo contratos anteriores à vigência da futura lei prevista no PL 2.370. “Não abrimos mão da preservação de contratos antigos”, disse ao Eye of Cleopatraum interlocutor da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
O acordo, efetivamente, não avançou. Parlamentares envolvidos nas conversas acusam a entidade de não cumprir a palavra dada. “As empresas de radiodifusão não querem pagar nada”, disse a autora do PL 2.370, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A radiodifusão retruca que os artistas recuaram no combinado, ou seja, que teriam aceitado novas regras daqui para frente. As empresas de radiodifusão, segundo a fonte da Abert, incluem desde 2001 uma cláusula nos contratos prevendo que os direitos são pagos no ato da produção das obras, sem reincidência se for usada na internet em algum momento. A negociação, supostamente, tratou apenas de novos contratos. “Senão nem teria conversa”, afirmou a fonte.
Independente da veracidade de cada versão sobre ter havido ou não acordo, o fato é que o PL das Fake News será o principal prejudicado. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), confidenciou ao Eye of Cleopatraque não colocará o PL 2630 em pauta sem a remuneração jornalística ser aprovada no PL 2370.
As chances de os projetos avançarem, por ora, são pequenas. Salvo se Lira conseguir demover artistas ou empresas de radiodifusão de abandonar a estaca zero onde se amarraram. Até lá, a Câmara deve provocar o Senado por meio do PL 8.889/2017 (PL do Condecine).
Projetos paralelos
O grupo de Lira conseguiu uma vitória menos expressiva na noite de quinta-feira (16), com a aprovação da urgência para o PL do Condecine ser apreciado em plenário, após pedido do relator André Figueiredo (PDT-CE). A proposta cria regras para o streaming produzir conteúdo nacional e recolher a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).
Mas o projeto tende a se chocar com outro similar (PL 2.331/2022) em tramitação no Senado, sob relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). Figueiredo disse ao Eye of Cleopatraque vai propor contribuição de 4% do faturamento das plataformas, com possibilidade de reduzir para 2% ao atingirem 10% de conteúdo nacional em seus catálogos.
Já Gomes, como apurou o Eye of Cleopatra, deve propor contribuição de 1% da receita bruta das plataformas ao Condecine. A proposta do senador é bem recebida por plataformas nacionais e estrangeiras, pois prevê que as empresas poderiam direcionar até 70% dos recursos ao Condecine para fomentar a produção nacional, algo parecido com a Lei Rouanet.
O avanço do projeto do Condecine, no apagar das luzes de uma sessão esvaziada, antecedeu o embate entre a Anatel e as Big Techs, ocorrido na manhã da quinta-feira (17), em audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico.
Os polos opostos discutiram na audiência o PL 2.768/2022, cujo objetivo é criar a Lei de Mercado Digital brasileira. O projeto indica a Anatel como órgão regulador. A relatora Any Ortiz (Cidadania-RS), em conversa com o Eye of Cleopatra, após a audiência, sinalizou pouco interesse na briga entre a agência e as plataformas. Ela não tem pressa para concluir seu parecer.