
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (14/2), afastar a juíza Ludmila Lins Grilo e determinar a abertura de dois processos disciplinares contra a magistrada que é vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Em votação unânime, o colegiado entendeu que ela pode ter violado seus deveres funcionais e por isso irá investigar se ela atuou com negligência na gestão da vara e se fez manifestações de cunho político.
Uma das decisões decorre de um procedimento investigativo aberto no ano passado por ordem do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. À época, o despacho determinou a suspensão das contas da magistrada, mencionando conduta que poderia configurar exposição de “juízo depreciativo sobre decisões proferidas por órgãos de cúpula do Poder Judiciário, notadamente pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral”.
Em um das publicações citadas, Grilo rebateu um posicionamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que condenou os “atos e discursos autoritários” do 7 de Setembro de 2021, quando o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), disse que não mais cumpriria decisões judicias e xingou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de “canalha”.
A magistrada tuitou o seguinte em resposta: “Ato autoritário é juiz abrir inquérito e figurar como vítima, investigador e julgador ao mesmo tempo. Como associada, aguardo manifestação da AMB sobre isso”. Ela possuía mais de 300 mil seguidores nesta plataforma.
A juíza também criticou a condução do Inquérito das Fake News (Inq 4.781) pelo STF quando concedeu entrevista ao programa “Pingos no Is”, da Jovem Pan. “Quem é estudante de Direito, de primeiro período de Direito Penal, compreende perfeitamente o que está acontecendo como algo absolutamente absurdo, grotesco no mundo jurídico!”
Ao todo, foram sete episódios expostos no despacho, desde participações em eventos públicos até a divulgação de um site do blogueiro Allan dos Santos, a quem a juíza chamou de amigo.
Em sustentação oral, ela afirmou que não teria tempo de refutar todos os pontos. Dentro do seu tempo, a magistrada disse ter falado à Jovem Pan na condição de escritora e que, em outras ocasiões, permaneceu apenas no campo de sua convicção filosófica, nunca política.
A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamges) também sustentou a seu favor, pedindo o arquivamento da ação.
Para o relator da ação no CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, a juíza descumpriu a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que proíbe o magistrado de opinar sobre processos em andamento e de fazer análise depreciativas sobre decisões judiciais, com exceção de críticas nos autos, em obras técnicas ou no exercício da profissão. O Código de Ética da Magistratura reforça isso.
“Cheguei à conclusão de que todos esses fatos são seríssimos, graves, incompatíveis com a função da magistratura, porque ferem diretamente dispositivos previstos no Código de Conduta, na Lei Orgânica, na Constituição Federal e causam um abalo para a imagem de todo o Poder Judiciário,” destacou Salomão.
Outro processo envolvendo a juíza Ludmila Lins Grilo
Segundo o corregedor nacional de Justiça, a consequência da conduta é a negligência na gestão da vara onde Ludmila Lins Grilo está locada. Neste caso, os conselheiros também votaram unanimemente para afastar cautelarmente a juíza.
Logo antes de apreciar o processo sobre a suposta manifestação política indevida, o Conselho julgou a possibilidade de abertura de um procedimento disciplinar para apurar a hipótese de má gestão e não comparecimento da magistrada na Vara Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Unaí (MG).
Na sustentação oral, a juíza alegou ser perseguida e ameaçada de morte, e mesmo assim não teria deixado de ir ao gabinete. Ela disse que não deveria abrir espaço para que soubessem sua exata localização e pediu ao TJMG para que concedesse uma licença para atuar em regime de teletrabalho. O pedido foi negado.
Apesar disso, argumentou que não haveria outra conduta a ser esperada, além de criticar o TJMG, por “minimizar a situação de segurança”, e o CNJ, pela instauração do procedimento investigativo.
“Eu já era vítima de uma situação de ameaça de morte e me transformei em vítima de assassinato de reputação, promovido institucionalmente. Ou seja, tanto o CNJ quanto o TJMG, demostraram absoluto desprezo e, no mínimo, indiferença à minha integridade física e à minha vida. Lamentavelmente o Estado falhou e coube a mim mesma promover as medidas necessárias para promover adequadamente a minha própria segurança.”
De acordo com ela, o fato de ela trabalhar remotamente não interferiu em suas atividades. A juíza mostrou um documento que dizia não haver processos pendentes de despacho, julgamento ou decisão em gabinete.
Quando chegou sua hora de votar, Salomão elencou uma série de números que contrariavam o dado da magistrada, como por exemplo, o fato de que 1.160 processos estavam paralisados há mais de 100 dias. Para o corregedor-nacional de Justiça, houve “desleixo e descaso em relação à principal atividade para a qual a magistrada deveria atuar”, de forma que a vara ficou “absolutamente abandonada”. O corregedor ainda lembrou que a própria juíza admitiu que não tinha autorização para trabalhar remotamente.
“O que a reclamada e a associação chama de perseguição constitui, na verdade, um conjunto de medidas disciplinares que se iniciou a partir da inspeção dessa corregedoria em sua Vara em setembro do corrente ano, na ocasião, verificando-se que enquanto exerce inúmeras atividades extrajudiciais, participando de congressos de cunho político, obtendo remuneração na internet, a unidade judicial da divisão é a terceira menos produtiva do estado de Minas Gerais entre as 31 Varas de igual competência naquele tribunal.”
No TJMG, a juíza Ludmila Lins Grilo respondeu a dois processos disciplinares e recebeu sanção de advertência. Além disso, há outro processo disciplinar em tramitação, com prazo de defesa em curso, e outra sindicância em apuração de fatos.
Os processos tramitam sob o números 0007298-04.2022.2.00.0000 e 0006242-33.2022.2.00.0000.