Na ocasião, o ex-presidente afirmou à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada” por que ela era “feia”. No dia seguinte, em entrevista ao jornal Zero Hora, Bolsonaro reafirmou suas declarações: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”, disse.
Após as declarações, Jair Bolsonaro foi processado pela deputada e pelo Ministério Público Federal (MPF), e passou a responder às acusações no Supremo Tribunal Federal (STF). O processo foi suspenso após Bolsonaro assumir a Presidência de República em 2019. Com o fim de seu mandato presidencial e do foro privilegiado, neste ano a ação foi enviada para a 1ª instância da Justiça, sob decisão do ministro Dias Toffoli.
Em 24 de julho, a Justiça do DF arquivou uma queixa-crime da deputada Maria do Rosário sobre o mesmo episódio, em ação penal de injúria. O Tribunal acatou o entendimento do MPF de que o caso já havia prescrito, pois esgotaram os prazos para uma resposta do ex-presidente.
Empublicação no X (antigo Twitter), o ex-presidente declarou ser vítima de perseguição política. “Fui insultado, me defendo e mais uma vez a ordem dos fatos é modificada para confirmar mais uma perseguição política conhecida por todos”, escreveu Bolsonaro na rede social.
O juiz Omar Dantas Lima recebeu a denúncia em 1º de setembro. O processo foi assinado no dia 24 de agosto e divulgado na última terça-feira (26/9).
O processo tramita com o número 0734640-13.2023.8.07.0001.
]]>As ações tratam da regra que condiciona a criação de cursos de medicina à realização de um chamamento público prévio. Os pedidos, no entanto, têm direções opostas. Uma das ações pede a declaração da Constitucionalidade da regra, prevista na Lei do Programa Mais Médicos. A outra solicita a declaração da inconstitucionalidade.
A tendência até o momento é a de validar a norma e manter cursos de medicina instalados por força de decisões judiciais que dispensaram o chamamento público. Os quatro ministros que votaram até o momento seguiram essa linha. Eles se dividem, contudo, em relação aos processos administrativos pendentes.
Os ministros julgam o referendo da liminar concedida pelo relator das ações, Gilmar Mendes. Ele suspendeu processos administrativos instaurados por força de decisão judicial que não cumpriram o requisito legal e que não haviam ultrapassado a fase inicial de análise, garantindo seguimento àqueles em etapa mais adiantada. Os cursos já instalados também foram mantidos. Essa linha foi seguida pelo ministro Luiz Fux.
Já o ministro Edson Fachin votou pela constitucionalidade do artigo, mas para que somente sejam mantidos os cursos de medicina já instalados, suspendendo os demais processos administrativos pendentes. A divergência, portanto, está na continuidade de tramitação de processos que tenham ultrapassado a fase inicial de análise. Ele foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.
As ações eram examinadas em sessão virtual prevista para terminar na sexta-feira (29/9). Com o pedido de vista, Mendonça tem até 90 dias para devolver os autos para julgamento.
]]>Foram julgados os RESp 2.092.417, 2.093.785 e 2.094.124. Nos três processos, os contribuintes haviam obtido decisões favoráveis no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Os julgadores acolheram o argumento de que os juros representados pela Selic têm natureza indenizatória, não constituindo acréscimo patrimonial. A Fazenda recorreu das decisões.
A turma acompanhou o entendimento do relator, ministro Mauro Campbell, que deu provimento ao recurso da Fazenda, levando em conta precedentes na 1ª e 2ª Turmas, para reformar os acórdãos recorridos.
Foram citados os julgamentos de agravo no RESp 1.946.567, de dezembro de 2021, analisado pela 1ª Turma, e do agravo em embargos de declaração no REsp 1.949.800, de abril de 2022, julgado pela 2ª Turma.
Na decisão referente ao REsp 1.949.800, o relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que, conforme o entendimento do STJ, não se deve confundir os conceitos de renda e receita. Benjamin cita afirmação do próprio ministro Mauro Campbell, em outro precedente (REsp 1.940.279), no sentido de que o conceito de renda compreende a riqueza nova, enquanto o conceito de receita é mais amplo, comportando quaisquer ressarcimentos e indenizações.
Ainda de acordo com Campbell, citado por Benjamin, a base de cálculo para o Imposto de Renda é a renda, enquanto o PIS e a Cofins incidem sobre a receita. Por esse motivo, a taxa Selic sobre a repetição de indébito integraria a base das contribuições.
Por fim, Herman Benjamin diz que os juros moratórios são tributáveis pelo PIS e Cofins porque compõem a esfera de disponibilidade patrimonial do contribuinte, que, no caso dos depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos previstos na Lei 9.703/1998, ocorre no momento da devolução ao depositante da quantia acrescida de juros.
]]>Depois de dez anos no Supremo, essa lição volta à pauta, especificamente agora que Barroso assume o comando do tribunal. Existe uma concepção difundida, mas pouco precisa, de que o ministro que vira presidente do Supremo torna-se “o chefe” do tribunal, com poder para determinar as diretrizes da instituição e do próprio Judiciário, durante dois anos, conforme suas convicções e planos individuais. Não é verdade.
Presidentes do Supremo têm atribuições e poderes relevantes, mas o sucesso de uma gestão depende muito do suporte do colegiado. O presidente do tribunal não performa um monólogo para plateia cativa. Ele conduz e é conduzido pelo conjunto de forças que, a qualquer momento, sob qualquer presidência, define o Supremo. Se não compreende esses vetores, perde o colegiado e fica sem apoio para aprovar e implementar mudanças importantes. E esse é um desafio novo para Barroso, tão acostumado que estava – como ministro, professor e advogado – a defender isoladamente as suas teses, a encampar ideias e insistir nelas, defendendo-as de quaisquer críticas internas e externas.
Rosa Weber, que se despede do tribunal, foi a presidente que promoveu as alterações regimentais que endereçaram solução para problemas antigos do Supremo. Uma emenda ao regimento interno estabeleceu mecanismo efetivo para a devolução dos pedidos de vista dentro do prazo. Outra definiu que liminares urgentes concedidas individualmente por ministros devem ser submetidas imediatamente ao colegiado. A ministrocracia – termo cunhado por Leandro Molhano Ribeiro e Diego Werneck Arguelhes – foi enfrentada na gestão de uma presidente oriunda de um tribunal em que todas as decisões eram compartilhadas entre os pares (ela costuma se recordar disso, lembrando do seu tribunal de origem, no Rio Grande do Sul).
O sucesso da gestão de Rosa Weber deve-se ao que um ministro diagnosticou – se em tom de elogio ou crítica, depende do ouvido de quem o escutava. Dizia que Weber era tão discreta que não disputava espaço no tribunal com ele e com os demais colegas. Quando Rosa Weber ouviu essa análise, sorriu e disse que seus colegas homens parecem sempre estar em disputa por protagonismo. Ela, por sua vez, queria que o protagonismo fosse do colegiado. Conseguiu.
Barroso aprendeu isso ao longo dos anos no tribunal. Porque essas propostas, especialmente sobre liminares monocráticas, levadas a cabo na gestão de Rosa Weber já eram defendidas publicamente por ele há anos. Insistiu nelas por anos porque as considerava alterações simples e fáceis de implementar, mas encontrou sempre reações frias. Porque a sugestão era dele e não do tribunal. Aos poucos, as propostas foram ganhando adeptos. Dias Toffoli tentou aprová-las, mas o colegiado ainda emperra nos detalhes – porque a mudança teria impacto em casos sensíveis e que alimentavam conflitos internos. Rosa Weber assumiu a presidência e conseguiu aprovar as mudanças, valendo-se da inédita coesão da Corte – produzida essencialmente pelos ataques de Bolsonaro e seus apoiadores ao tribunal, mas que teve como outro ingrediente o reduzido individualismo da presidente.
Como presidente do STF, Barroso afirmou que terá como uma de suas missões trabalhar pelo resgate da imagem do tribunal. Ele costuma dizer que nos últimos anos houve uma campanha para minar a percepção pública da Corte e, por consequência, a legitimidade do tribunal. Ninguém questiona que o bolsonarismo buscou isso, mas os ministros também têm sua margem de responsabilidade pela construção dessa percepção ao longo da última década. As desconfianças sobre a politização do STF verbalizadas de lado a lado são reais, independentemente de coloração política. E Barroso é parte do problema. Basta lembrar sua última derrapada, quando disse, em evento da UNE, que o tribunal derrotou o bolsonarismo.
Na sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em 2013, Barroso afirmou que trafegava pela vida tendo como advertência a frase de Ortega y Gasset: “Entre o querer ser e o crer que já se é vai a distância entre o sublime e o ridículo”. Barroso se preparou para assumir a presidência do Supremo. Ele ouviu, em encontros reservados durante os últimos meses, as críticas de acadêmicos e advogados ao tribunal e à postura dos ministros. O diagnóstico está feito. Barroso conhece os problemas do STF e pode se aproveitar do momento de coesão da Corte para corrigir erros. Mas, novamente, só terá sucesso se agir coletivamente. A sua presidência depende mais do tribunal do que das suas ideias individuais.
]]>O movimento se propôs a descriminalizar socialmente o aborto, e a oportunidade de uma ação judicial surgiu como uma das estratégias. Para nós, estava claro que o aborto livre deveria ser reconhecido como uma garantia essencial para a plena cidadania das mulheres e para a proteção dos direitos fundamentais previstos em nossa Carta política. Agora, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem a oportunidade de oferecer a mesma garantia para mulheres, pessoas trans e não binárias, decidindo favoravelmente sobre a ADPF 442, que examina a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto.
O processo de descriminalização do aborto na Colômbia representou um grande avanço na discussão legal e social sobre como regulamentá-lo. Nós, da Causa Justa, pedimos a eliminação desse crime com a convicção de que a interrupção voluntária da gravidez deve ser um serviço de saúde essencial e inadiável e, portanto, deve ser regulamentado sob a ótica da saúde pública e dos direitos humanos, e não do direito penal.
De fato, alguns meses após a apresentação da ação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu diretrizes técnicas recomendando a descriminalização em todos os casos do aborto para eliminar os obstáculos a esse serviço. Argumentos como esses são os que chegaram ao STF e que, com a evidência dos graves impactos da criminalização, deveriam ser suficientes para que a corte tome uma decisão histórica em favor das mulheres, pessoas trans e não binárias no Brasil.
O que acontece em contextos como o brasileiro, e como a corte colombiana entendeu com nossa ação, é que os modelos de aborto permitido em circunstâncias excepcionais específicas, como o brasileiro (causalesem espanhol, grounds-based approaches em inglês), geram medo em pacientes, profissionais de saúde e autoridades que preferem interpretar a lei de forma restritiva para evitar investigações criminais. Esse medo faz com que muitas mulheres não busquem atendimento médico, o que leva a mortes evitáveis por abortos inseguros. Além disso, a criminalização do aborto resulta na perseguição desproporcional de mulheres que enfrentam a pobreza e têm menos acesso à educação. Aquelas com poder aquisitivo podem acessar serviços médicos privados que reduzem o risco de maus tratos ou até mesmo viajar para outros países.
Mulheres negras, quilombolas e indígenas que precisam acessar o aborto enfrentam desafios adicionais, incluindo exclusão e maus tratos relacionados ao racismo. Para muitas delas, existem barreiras estruturais para acessar serviços de saúde, que se somam às barreiras específicas que costumam surgir ao solicitar um aborto. O uso inadequado da objeção de consciência e a falta de educação sexual abrangente agravam ainda mais essa situação. Além disso, a interpretação conferida a certas leis atuais representa uma ameaça à confidencialidade das informações das pacientes. A isso se soma o estigma social que perpetua visões negativas sobre o aborto.
Um caso doloroso que reflete essa situação é o de uma menina de 11 anos que, no final do ano passado, teve que enfrentar sua segunda gravidez forçada como resultado de um estupro no Piauí. Para proteger sua identidade, ela foi chamada de Menina P. Nessa tenra idade, ela agora enfrenta uma situação extremamente difícil, devido ao fato de o Estado não ter adotado medidas para protegê-la, apesar de estar ciente da violência e vulnerabilidade que ela enfrentava.
O Center for Reproductive Rights, em conjunto com organizações parceiras no Brasil, conseguiu documentar que, pelo menos durante essa segunda gravidez, Menina P manifestou o desejo de interromper a gestação. Apesar de ter o direito legal de acessar o procedimento, ela enfrentou numerosos obstáculos e pressões de dissuasão, o que resultou em sua desistência. Profissionais de saúde minimizaram os múltiplos riscos associados à gravidez e ao parto de uma menina de sua idade e falsamente insistiram nos supostos perigos de fazer um aborto. Casos como o de Menina P exemplificam a insuficiência do modelo adotado no Brasil e a necessidade de descriminalizar o aborto para abordá-lo de forma abrangente como o serviço de saúde que é.
Portanto, como identificamos na Causa Justa, no contexto colombiano, todas essas barreiras para acessar os serviços de aborto afetam vários direitos fundamentais, protegidos pela Constituição do Brasil e por tratados regionais e internacionais em vigor no país, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Exemplos desses direitos são o direito à vida e à saúde: quando um Estado nega o acesso ao aborto, está negando efetivamente um serviço de saúde sexual e reprodutiva (como reconhecido pela OMS) que afeta o bem-estar físico e mental de quem precisa. Além disso, tem impactos negativos na autonomia e na dignidade das pessoas, dois valores essenciais para garantir um projeto de vida livre. O Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a saúde, em todos os níveis, das mulheres e das pessoas com capacidade de engravidar, para que possam escolher o tipo de vida que desejam levar.
Outro direito fundamental que deve ser protegido, e que é a missão do Center for Reproductive Rights, é a autonomia reprodutiva, que está intimamente ligada ao direito à vida privada. Ou seja, a garantia de que toda pessoa possa tomar decisões sobre se quer ou não ter filhos, quantos e quando. Para garantir isso, é fundamental ter o aborto como opção, um procedimento que pode servir como uma proteção contra a intrusão do Estado nas decisões mais íntimas de cada um. A criminalização do aborto restringe a liberdade pessoal e deixa as pessoas à mercê de decisões externas, sem permitir que controlem seus próprios corpos e o rumo de suas próprias vidas.
Sistemas jurídicos que restringem as possibilidades de acesso ao aborto violam também o direito de acesso à informação: o medo associado à criminalização faz com que as pacientes não obtenham informações necessárias para decidir sobre sua saúde reprodutiva. É possível argumentar, ainda, que os quadros legais que dificultam a interrupção voluntária da gravidez podem representar uma séria falha na obrigação dos Estados de prevenir e punir a tortura. A negação do aborto em circunstâncias específicas, como nos casos de violência sexual, foi reconhecida pelo direito internacional dos direitos humanos como uma possível forma de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante.
Diante de tudo isso, considero que o STF tem uma grande oportunidade de estabelecer um precedente de liberdade que, no futuro, pode evitar a repetição de casos como o de Menina P, cuja grave situação é lamentavelmente recorrente no Brasil. De acordo com o sistema de informações sobre nascidos vivos, em 2020, 17.500 meninas enfrentaram gravidezes forçadas devido a violência sexual.
Esperamos que em breve o Brasil se una à Maré Verde Latino-Americana, o movimento feminista que saiu às ruas exigindo o aborto livre com lenços verdes, e à tendência global de mais de 60 países que, nos últimos 30 anos, modificaram suas leis para facilitar o acesso à interrupção voluntária da gravidez. Como dizemos na Colômbia: não há dúvida de que a eliminação do crime de aborto é uma causa fundamental e histórica, é uma Causa Justa.
]]>Sejamarketplace, plataformas digitais, ou plataformas eletrônicas de distribuição de serviços, a perspectiva de os fiscos garantirem a adequada arrecadação de milhares de micro e pequenos contribuintes apenas a partir da operação de poucas empresas de tecnologia é, no mínimo, convidativa às Autoridades Fiscais.
Embora a redação atual do nosso ordenamento tributário não esteja preparada para fixar o vínculo entre intermediários digitais e os fatos geradores dos tributos devidos por seus contratantes, foram feitas diversas tentativas de imputação de responsabilidade tributária às plataformas, geralmente em nome da eficiência tributária e da economia administrativa.
As iniciativas mais relevantes nesse sentido advieram dos estados[1], que instituíram inicialmente normas buscando ter acesso exclusivamente às informações acerca das transações e, logo em seguida, fixar a extensão da participação das plataformas nas operações por elas intermediadas, o que consequentemente delimitaria a sua responsabilidade pelos tributos devidos.
Entretanto, algumas dessas normas foram consideradas inconstitucionais ou ilegais, dado que a atribuição transversa de responsabilidade extrapola os limites traçados pelos artigos 124 e 128 do Código Tributário Nacional (CTN), além de violar os princípios constitucionais da capacidade contributiva[2] e da segurança jurídica[3]. Afinal, no sistema atual, não há regra matriz de responsabilização que reconheça o interesse comum das plataformas no inadimplemento tributário dos fornecedores contribuintes.
Apesar de o tema ser incipiente no Brasil, ele não é inédito em outros países. Em âmbito internacional, Autoridades Fiscais estrangeiras enfrentaram desafios semelhantes na tentativa de delimitação da obrigação das plataformas digitais de reter e remeter informações e tributos em nome de seus usuários. Em um primeiro momento, essas medidas visavam endereçar a tributação de bens de pequeno valor importados de plataformas digitais estrangeiras, posto que o amplo acesso dos marketplaces às informações essenciais das transações comerciais seria uma solução eficaz para garantir o recolhimento dos tributos incidentes sobre o consumo.
As reações apresentadas pelos fiscos internacionais variaram entre dois caminhos interessantes. Em algumas respostas, os governos se valeram de normas vigentes de políticas tributárias e buscaram alcançar a tributação da economia digital por meio do regime tributário preexistente, prestigiando a estabilidade. Em outros casos, os governos abraçaram inovações conceituais para instituir políticas tributárias que promoveram mudanças na dinâmica de tributação, fundamentadas na eficiência e equidade[4].
Ambas as abordagens têm méritos, e a experiência internacional de aplicação da responsabilidade tributária às plataformas digitais traz relevantes diretrizes para a condução do debate no Brasil.
Na abordagem pioneira da União Europeia, datada de 2015, foi adotado o conceito de “vendedor presumido”, que consiste na ficção jurídica de que as operações de vendas digitais se desdobram duas transações idênticas e simultâneas tributadas pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA)[5]. Assim, a legislação presume que as intermediárias digitais adquirem os bens ou serviços de seus fornecedores (i.e., os sellersda plataforma) e os revendem aos usuários finais, tornando-as responsáveis pelo recolhimento do IVA na primeira etapa[6].
Nos Estados Unidos, em 2018, a Suprema Corte fixou precedente no caso “South Dakota v. Wayfair, Inc.”, legitimando a cobrança do Imposto sobre Vendas (Sales Tax) sobre compras feitas de vendedores de outros Estados, ainda que a empresa vendedora não tenha presença física naquela jurisdição. Desde então, os Estados norte-americanos vêm progressivamente implementando o pacote de regras relativas ao “Marketplace Facilitador” para possibilitar a exigência do IVA no estado de destino de vendas em meio digital.
É relevante pontuar que a maior parte dessas legislações estaduais dos Estados Unidos foram introduzidas apenas após o recesso econômico ocasionado pela pandemia da Covid-19, em que as Autoridades Fiscais notaram a urgência na adequação de suas regras tributárias à realidade do e-commerce para preservar a sua arrecadação[7].
Tentando conciliar os diferentes encaminhamentos conferidos internacionalmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) propôs um modelo de responsabilização das plataformas digitais baseado na presunção de aquisição e revenda simultânea online, semelhante ao aplicado pelos europeus[8]. Portanto, nesse escopo, as plataformas são inteiramente obrigadas a apurar, recolher e remeter o IVA devido na transação de venda intermediada, bem como por qualquer outra obrigação acessória imposta pelas Autoridades Fiscais.
Independentemente do modelo, regras semelhantes às descritas acima foram reiteradamente replicadas por outras jurisdições, e hoje estima-se que cerca de 70 países preveem regras específicas para a atribuição de responsabilidade tributária a plataformas digitais[9].
A experiência internacional com a regulamentação da economia digital demonstra que as regras tributárias devem ser adaptáveis, permitindo a adequação das normas existentes conforme o surgimento das inovações tecnológicas. As regras aplicáveis às plataformas são completamente diferentes daquelas que observamos há dez anos, e certamente serão ainda mais diferentes em dez anos. Sempre que as regras fiscais se consolidam, emergem tecnologias que novamente impulsionam a revisão do regime tributário. Ou seja, na economia digital, não são as regras fiscais que moldam os modelos de negócios das plataformas digitais, mas são as plataformas que moldam o direito tributário internacional[10].
No Brasil, esse progresso deverá ser inevitavelmente acompanhado – e cuidadosamente implementado – na reforma tributária em discussão. No âmbito do PEC 45, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) poderá ser exigido de qualquer pessoa que concorra para a realização, execução ou pagamento da operação, ainda que estrangeiro, a ser futuramente fixado em Lei Complementar (artigo 156-A, §3º).
Nesse sentido, em que pese a PEC 45 estabeleça apenas a norma programática que delega a regulamentação à Lei Complementar, há um evidente movimento no que diz respeito ao alinhamento das regras fiscais brasileiras às práticas adotadas internacionalmente para a responsabilização de plataformas digitais.
Portanto, ainda que o conteúdo da PEC 45 possibilite um novo paradigma do tratamento das plataformas digitais no cenário tributário brasileiro, entendemos que qualquer responsabilização a ser imposta por eventual Lei Complementar deverá ser balizada pelos demais princípios constantes em nossa Constituição Federal, Código Tributário Nacional e sobretudo para garantir a prência da isonomia, capacidade contributiva, segurança jurídica e não-confisco.
A reforma tributária é, sem dúvida, uma oportunidade de atualização do ordenamento tributário às realidades da economia digital. O Brasil deverá debater o modelo de tributação e fazer suas escolhas também em relação ao cumprimento de obrigações acessórias e regras de responsabilidade. Esse aspecto é particularmente essencial no contexto brasileiro, visto que o Banco Mundial já colocou o nosso país em primeiro lugar no ranking de horas empregadas no compliance tributário, em que as empresas nacionais gastam, em média, 2.038 horas anuais para apurar seus tributos[11].
Na discussão da regulamentação do tema por Lei Complementar, será fundamental acompanharmos as experiências internacionais e, termos em mente, que qualquer que seja a responsabilidade atribuída às plataformas, que essas novas regras não imponham custos exorbitantes ou entraves ao desenvolvimento dos negócios dessa atividade no Brasil.
Para tanto, é fundamental que o legislador pondere a efetiva participação das plataformas digitais nas operações intermediadas, para que a sua responsabilidade pelos tributos seja proporcional às remunerações recebidas por suas atividades, evitando-se assim a perpetuação de um compliance tributário desalinhado à capacidade contributiva das empresas.
[1] A maior parte desses casos foi observado após a assinatura do Convênio ICMS 106/17, no âmbito do Confaz.
[2] Que, como definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 603.191, deve guardar relação com a efetiva participação do responsabilizado na operação e o seu acesso às receitas auferidas por terceiros, “não se lhe podendo impor deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes”. (RE 603191, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, Repercussão Geral, julgado em 1.8.2011)
[3] Também sob a sistemática de Repercussão Geral, o STF fixou o entendimento que “o preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma”. (RE 562.276, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, Repercussão Geral, julgado em 3.11.2010)
[4] HAYASHI, Andrew. Taxing Digital Platforms. Virginia Journal of Law & Technology: Vol. 26, Essay 3. Primavera de 2023. p. 12-13.
[5] Com o contínuo avanço da economia digital, essas normas foram subsequentemente complementadas pela aprovação de um pacote de medidas destinado a regulamentar a incidência do IVA sobre operações em e-commerce, datado de 5.12.2017. Devido às dificuldades práticas na implementação do novo sistema, essas regras só passaram a valer efetivamente em 1.7.2021. Para mais informações, confira: Council Directive (EU) 2017/2455 of 5 December 2017 amending Directive 2006/112/EC and Directive 2009/132/EC as regards certain value added tax obligations for supplies of services and distance sales of goods, OJ L 348, 2017, p. 7-22; Council Regulation (EU) 2017/2454 of 5 December 2017 amending Regulation (EU) No 904/2010 on administrative cooperation and combating fraud in the field of value added tax, OJ L 348, 2017, p. 1-6; Council Implementing Regulation (EU) 2017/2459 of 5 December 2017 amending Implementing Regulation (EU) No 282/2011 laying down implementing measures for Directive 2006/112/EC on the common system of value added tax, OJ L 348, 2017, p. 32-33.
[6] Essa responsabilidade por substituição é dispensada apenas caso a plataforma possa comprovar que não estabelece os termos e condições gerais para a consecução das vendas (embora essa exceção seja raramente aplicada).
[7] MANESS, Ryan. Forty-Two States Have Now Adopted Marketplace Sales Tax Collection Laws. Multistate: 18.6.2020. Disponível em: https://www.multistate.us/insider/2020/6/18/forty-two-states-have-now-adopted-marketplace-sales-tax-collection-laws
[8] OECD (2019), The Role of Digital Platforms in the Collection of VAT/GST on Online Sales, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/e0e2dd2d-en.
[9] DESCHATRES, Iman. At your service: broadening a digital platform’s scope for VAT/GST liability. 26.4.2023. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/your-service-broadening-digital-platforms-scope-iman-desch%C3%A2tres/
[10] HAYASHI, Andrew. Idem.
[11] Como destacado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) ao analisar o relatório Doing Business do Banco Mundial de 2017, no artigo “Custos de conformidade à tributação no Brasil”, de 11.5.2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/07/NT_Custos-de-conformidade_v2.pdf
]]>Neste novo cenário normativo surge a inclusão nessa mesma lei da necessidade de realização de procedimentos arbitrais como meio de solução de controvérsias nos contratos do setor, especialmente de compra e venda, de transporte, de processamento, de importação e de comercialização[2].
É inegável que o mercado de gás natural alcança a exploração de várias atividades econômicas e por isso destacamos entre elas as de escoamento, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação, distribuição e comercialização. O art. 1º da referida lei determina que deve haver uma pessoa jurídica para cada atividade.
Em decorrência desse cenário, há inúmeros contratos que devem ser firmados entre os agentes econômicos do setor, sejam eles comercializadores, distribuidoras, produtores e/ou consumidores livres nos diversos estados, vez que a maioria já dispõe de regulação permitindo a compra do gás natural no mercado livre por grandes usuários.
Por conseguinte, há possibilidade de esses agentes firmarem vários contratos que certamente virão a formar uma cadeia de contratos coligados[3] e/ou conexos cujos efeitos podem refletir-se em outro(s). Destarte, sob a ótica de planejamento contratual, com análise da matriz de risco, a cláusula de solução de controvérsias (arbitragem) merece especial atenção das partes e dos gestores desses contratos porque é ela que deverá ser aplicada quando surgirem conflitos.
Neste cenário surge uma pergunta para os agentes contratantes: seria mais prudente ajustar-se essa cláusula padrão em todos os contratos da cadeia ou cada um dos contratos seguiria a sua própria trajetória a depender da outra parte contratante? Lembrando que a esses contratos se aplica a Lei de Liberdade Econômica[4], a Lei 13.847/2019.
Para fundamentar esta opinião trazemos alguns exemplos de contratos da cadeia do gás natural que merecem atenção quando da sua negociação, especialmente a cláusula de solução de controvérsias:
É fato que as consequências financeiras resultantes de um procedimento arbitral tendo como objeto litígio resultante de quaisquer desses contratos podem afetar direta ou indiretamente outros contratos[5]. Daí a necessidade de haver a acurada atenção dos negociadores desses contratos quando da elaboração das minutas e, posteriormente, os gestores desses contratos que são executados em regime de atividade econômica por conta e risco do agente contratante, visto que, nesses casos, não há qualquer interferência dos agentes reguladores.
Diferentemente do setor de energia elétrica, onde a transmissão e a distribuição são reguladas por tarifa fixada pela Aneel e, portanto, os agentes econômicos assinam contratos padrão. E, para os contratos de comercialização há normas regulatórias que auxiliam na redução dos riscos contratuais, como a Resolução Normativa Aneel 957/2021 e a Convenção Arbitral – Resolução Homologatória 3173/2023.
Para o caso dos contratos de transporte e/ou comercialização de gás natural o planejamento e a mitigação dos riscos contratuais se fundamentam no equilibrado planejamento e gestão de riscos contratuais.
Por todo o exposto há que se analisar pormenorizadamente as minutas dos contratos de gás natural e discuti-las observando a cadeia de contratos em que estão inseridos e os possíveis reflexos nos outros contratos da cadeia para mitigar riscos futuros.
[1] Lei 13.874/2019: Dispõe sobre as atividades relativas ao transporte de gás natural, de que trata o art. 177 da Constituição Federal, e sobre as atividades de escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural; altera as Leis 9.478, de 6 de agosto de 1997, e 9.847, de 26 de outubro de 1999; e revoga a Lei 11.909, de 4 de março de 2009, e dispositivo da Lei 10.438, de 26 de abril de 2002. Nosso grifo.
[2] Art. 31, § 5º – Os contratos de comercialização de gás natural deverão conter cláusula para resolução de eventuais divergências, podendo inclusive, prever a convenção de arbitragem, nos termos da Lei 9.307, de 23/09/1996.
[3] “Contratos coligados podem ser conceituados como contratos que, por força de disposição legal, de natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca”. Contratos Coligados no Direito Brasileiro, de Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Saraiva, 2009, p. 99.
[4] § 2º Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.
[5]“O tema da extensão dos efeitos da cláusula compromissória nos grupos de contratos, ou nos contratos conexos, é dos mais densos e complexos em matéria de arbitragem. É também altamente marcado pelas circunstâncias fáticas de cada caso concreto. Cabe ao juiz (e/ou ao árbitro) buscar a vontade das partes, de acordo com as características de cada situação de fato dada ao seu conhecimento”. Rodrigo Garcia da Fonseca, Contratos Conexos, in Revista de Arbitragem e Mediação, RT, ano 3-10, julho-setembro de 2006.
]]>Há três anos, publicamosnesteEye of Cleopatra um texto em que discutíamos um cenário desanimador, revelado pelos indicadores da Pintec (a pesquisa de inovação realizada pelo IBGE). O levantamento apontava uma queda no percentual de empresas inovadoras no Brasil. De lá para cá, apesar disso, o papel crucial da CT&I para desenvolver soluções para a mais grave tragédia sanitária do século – a pandemia da Covid-19 – foi explicitado e reconhecido.
As vacinas são o exemplo mais marcante desses esforços, evidenciando a imprescindibilidade da pesquisa e desenvolvimento (P&D). Para além das vacinas, a pandemia desvelou, ainda, a necessidade do desenvolvimento inovador de diferentes insumos e equipamentos de saúde, aparato também fundamental no combate ao vírus. O caso da empresa Magnamed conecta o contexto do ano de 2020 com a atualidade.
A empresa é fabricante de ventiladores pulmonares e atendeu, em regime de urgência, à demanda do Ministério da Saúde para fornecer os equipamentos para a expansão das unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS). A resposta da empresa – em conjunto com a atuação de outras firmas, engenheiros e pesquisadores vinculados às universidades para atender a necessidade do SUS – traduziu uma articulação exemplar de atores e instituições do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI).[1]
Mas a trajetória da Magnamed inicia-se bem antes da pandemia. A fabricante de ventiladores pulmonares foi constituída, ainda no final da década de 1990, por profissionais egressos de universidades públicas. A empresa obteve apoio estatal para alavancar o seu negócio e depois para desenvolver seu protótipo de ventilador pulmonar. Contou, nisso, com apoiodo Programa PIPE da Fapesp e recebeu, ademais, investimento por meio de participação acionária do fundo Criatec, do BNDES.
Há poucos meses, em junho, a Magnamed obteve aprovação das autoridades regulatórias dos Estados Unidos para produção dos ventiladores pulmonares na Flórida. O processo de certificação nos EUA foi longo e custoso e a empresa é a “primeira fabricante brasileira de ventiladores pulmonares no mercado norte-americano”. Os investimentos somente no processo de certificação, incluindo gastos com a criação de laboratórios, protótipos, consultoria e viagens, somaram mais de R$ 1 milhão.
Nem todas as empresas e/ou empreendimentos que recebem apoio estatal atingem resultados como os da Magnamed. Isso não é um problema, muito menos um problema do sistema brasileiro de CT&I. Muitas vacinas, aliás, não atingiram os resultados de eficácia esperados, ficando pelo caminho durante o processo de pesquisa e desenvolvimento. Isso porque na tomada de decisão por investir em P&D, seja pelo Estado ou pelo investidor de capital privado, há variáveis que não podem ser conhecidas de antemão, impedindo o cálculo preciso e a garantia de viabilidade econômica. Dito de outra forma, a política pública que aloca recursos para ciência, tecnologia e inovação é intrinsecamente ameaçada por diversos riscos.
Há no processo inovativo uma incontornável incerteza, tecnológica e de mercado, que são maiores nas etapas iniciais de desenvolvimento. É isso que, por um lado, faz com que o apoio público à ciência, tecnologia e inovação seja amplamente difundido nos países mais bem sucedidos. Por outro, o Estado corre o risco porque as inovações são intensivas em externalidades, benefícios econômicos e sociais que não são internalizáveis nas receitas de uma empresa ou de um projeto, casos dos benefícios das vacinas e dos ventiladores mecânicos durante a pandemia.
O direito tem criado e viabilizado instrumentos diversos para botar em prática o apoio estatal à inovação. No Brasil, na última década, diferentes leis e regulamentos foram alterados para criação ou aperfeiçoamento de instrumentos de política pública para incentivar a inovação nas empresas. Sob a influência do direito europeu, incorporamos uma série de mecanismos de compras públicas para inovação, como são as encomendas tecnológicas, o tipo de contratoutilizado para compra da vacina do laboratório AstraZeneca pela BioManguinhos/Fiocruz.
Para além das compras públicas, há mecanismos de estímulo da inovação, por meio de incentivos fiscais, acordos e alianças envolvendo universidades, empresas e outras instituições de CT&I, subvenção às atividades de P&D, investimento por meio de participação societária em empresas potencialmente inovadoras, entre outros.[2]Odireito da inovação também incorporou a possibilidade de experimentação em política pública, por meio dos chamados sandboxes regulatórios, ambientes nos quais modelos e regimes jurídicos são experimentados com o fim de permitir o desenvolvimento de modelos de negócio inovadores, teste de protótipos e outras técnicas e tecnologias em fase experimental.[3]
Ossandboxes regulatórios vêm sendo adotados por distintas esferas da administração pública brasileira.[4] Agências reguladoras, autarquias, empresas públicas, municípios e outros entes públicos veem com entusiasmo o ambiente regulatório de experimentação, que possibilita explorar, com margem de ajustes e incorporação de aprendizado, soluções inovadoras por meio da interação público-privada. A ideia de criar “laboratórios” de testes de normas de regulação voltada à inovação, no entanto, não é nova.Já se disse que as tecnologias e as inovações avançam em ritmo cada vez mais acelerado, e que nessa dinâmica de gato-e-rato, a regulação tende a vir a reboque, como solução concebida a posteriori.
Menos se discute, porém, o fato importante de que é a regulação (com seu arcabouço jurídico), em seu papel constitutivo das instituições – entre as quais o próprio mercado –, que fornece as condições para que o processo inovativo se desenvolva, dando propósito ao crescimento econômico em sua missão de indutor do desenvolvimento científico e tecnológico.[5] A regulação, em certo sentido, preexiste à inovação, além de voltar, em seguida, para discipliná-la e catalisá-la, ajudando a fomentar as diversas externalidades que esse processo gera para sociedade. É um equívoco, portanto, a hipótese de que a regulação, por princípio, atrapalha ou compromete a inovação. Tudo depende de como se regula.
O caso da Magnamed joga luz importante sobre a relevância do arcabouço mais geral das políticas públicas de inovação, que requerem investimento público contínuo e dão suporte para que o processo inovativo ocorra nas empresas, bem como estimulam P&D em outras instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs). Não basta ter um conjunto de leis ou um punhado de políticas públicas para que se constituam e prosperem empresas inovadoras. Mas o direito tem função relevante ao operacionalizar os meios de atuação das políticas públicas.
A empresa valeu-se de diferentes instrumentos regulatórios de estímulo à inovação e aderiu a normas e arranjos jurídicos diversos no Brasil e no exterior em razão de sua expansão internacional. Houve, no caso, o mérito empreendedor de seus criadores, mas também foram chave as políticas de CT&I brasileiras e seu correspondente arcabouço jurídico regulatório.
[1]A esse propósito, vale lembrar, aliás, que a Constituição Federal determina que SNCTI deve ser organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação (art. 219-B, após Emenda nº 85/2015).
[2] Esse é objeto de análise de projeto de pesquisa em desenvolvimento por Foss e Coutinho denominado “Incertezas jurídico-institucionais em atividades de inovação” com suporte da Fapesp (Processo 2019/16147-7).”
[3] Sobre o ambiente regulatório experimental, ver art. 2º, II da Lei Complementar 182/2021.
[4] O setor financeiro é marcadamente adepto desse modelo – ver, por exemplo, o sandbox da CVM. Observa-se, ainda, a difusão desse experimento regulatório em diferentes municípios do país (exemplos de Porto Alegre,Rio de Janeiro, eNiterói, etc.). Outros entes públicos também se voltam a esse modelo, como a Aneel, por meio do sandbox tarifário.Veja-se, ainda, a posição defendida pelo presidente da Embrapii em audiência na Câmara dos Deputados.
[5] Exemplos de regulação prévia que estimularam positivamente o comportamento de mercado são do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBE-V), vinculado ao Inovar-Auto, cujo escopo era apoiar o desenvolvimento tecnológico, a inovação, a segurança, a proteção ao meio-ambiente, a eficiência energética e a qualidade dos veículos automotores por meio de isenção tributária. O PBE-V era um dos requisitos para os fabricantes e montadoras que buscassem aderir ao Inovar-Auto, uma vez que que estimulava a criação de uma demanda no mercado consumidor por veículos mais eficientes. De forma geral, dados sugerem que a indústria automotiva buscou comercializar veículos com maior eficiência energética e que essa característica acabou influenciando adicionalmente na escolha do consumidor (veja aqui). Outro programa (regulado) que serve de exemplo foi o Procel de Economia de Energia, que informou o consumidor sobre a eficiência energética de eletrodomésticos (por exemplo, aparelhos de ar condicionado, geladeiras, entre outros).
Retomando esse último tema, a coluna de hoje discute precisamente o prazo de inelegibilidade previsto no art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 81/1994, a partir da decisão tomada na Rcl 29.870 apresentada pelo ex-senador Demóstenes Torres. Antes de chegar no cerne da controvérsia, convém resgatar o caso concreto.
Após acusações de envolvimento com o Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o então senador Demóstenes teve o seu mandato cassado em 11 de julho de 2012 com 56 votos pela cassação, 19 contra e 5 abstenções. A decisão foi materializada na Resolução 20/2012 do Senado Federal.
As mesmas condutas que ensejaram a perda do mandato eram objeto de uma ação penal, cujas provas foram declaradas nulas, anos depois, no RHC 135.683 (julgado em 15/10/2016, publicado em 3/4/2017). O STF entendeu pela nulidade das provas colhidas na Operação Vegas e Monte Carlos, realizadas em primeiro grau, por afronta à competência do STF para processar e julgar originariamente a causa nos termos do art. 102, inciso I, alíneas bec, da CF, ante o surgimento de indícios do envolvimento de senador da República.
Após o referido julgamento, o ex-senador tentou proceder, administrativamente, à revisão da Resolução 20, que decretou a perda do seu mandato. Chegou a pedir até os salários atrasados, mas o pedido foi rejeitado pelo Senado.
Então, sustentando ser necessário garantir a autoridade do RHC 135.683, o ex-senador apresentou a Rcl 29.870, em 1º de março de 2018, apontando como ato reclamado a omissão do presidente do Senado em revisar a Resolução 20/2012. Entre os pedidos estava ainda a restituição do seu mandato de senador e o retorno de sua condição de elegibilidade (capacidade eleitoral passiva).
Demóstenes sustentou a presença de periculum in mora, ante a iminência de encerramento do mandato eletivo do qual fora afastado por decisão do Senado, e por estar impedido de participar do processo eleitoral de 2018.
Pois bem. Em 27 de março de 2018, o relator, ministro Dias Toffoli, deferiu em parte a tutela de urgência solicitada simplesmente para “suspender a eficácia da Resolução nº 20/2012 do Senado Federal relativamente ao critério de inelegibilidade previsto na alínea b do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/1990”. Ou seja, afastou uma das principais consequências da cassação: a inelegibilidade.
Ao menos na fundamentação da referida decisão restou assentada a impossibilidade de retorno do reclamante ao exercício do mandato de senador, tendo em vista: 1) a independência entre as instâncias penal e administrativa, o que permite a instauração de processo disciplinar antes de finalizado o processo penal em que apurados os mesmos fatos; e 2) a inadequação da via eleita, haja vista a jurisprudência do STF no sentido de que não cabe reclamação que tenha por objeto ato anterior ao paradigma vinculante de controle (in casu, a decisão do Senado data do dia 12/7/2012, ao passo que o RHC 135.683 foi julgado em 15/10/2016 e publicado em 3/4/2017).
Tal decisão monocrática foi referendada pela 2ª Turma. Com ela, permitiu-se que o ex-senador voltasse a ter capacidade eleitoral passiva. Entretanto, no caso concreto, oreclamante não chegou a se candidatar nas eleições de 2018.
Eis que, passados cinco anos, no último dia 4 de setembro, o relator, ministro Dias Toffoli, extinguiu a Rcl 29.870,com fundamento na suposta perda superveniente de objeto, argumentando ter havido o encerramento do prazo de inelegibilidade decorrente da Resolução 20/2012 do Senado, publicada no Diário Oficial de 12/7/2012.
Aqui finalmente se chega à questão controvertida: como se deve contar o prazo legal do art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 81/1994?
Na decisão em comento, a fundamentação do exaurimento do prazo de inelegibilidade foi a seguinte: “(….) O reclamante foi eleito, em 2010, para o mandato de Senador, com início em 2011 e término em 2019. Por sua vez, a cassação ocorreu na legislatura do Congresso Nacional iniciada em 1º/2/11 e encerrada em 31/1/15. Portando, contado o prazo de inelegibilidade de 8 anos, nos termos do art. 1º, I, b, da LC nº 64/90, a partir do término da legislatura, verifica-se que a inelegibilidade encerrou-se em 31/1/23”(página 9).
Como se vê, o ministro Toffoli procedeu à contagem do prazo legal considerando apenas a legislatura em que ocorreu a cassação (2011 a 2015), e não propriamente a totalidade do período remanescente do mandato de duas legislaturas para o qual o senador foi eleito (2011 a 2019), como determina a interpretação literal do dispositivo legal.
Convém ler novamente o texto do referido art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990: “São inelegíveis para qualquer cargo os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura”.
Atécnica legislativa utilizada para a contagem dos prazos de inelegibilidadeda Lei da Ficha Limpa realmente é sofrível. O dispositivo em comento é mais um caso. Na prática, restou estabelecido um prazo de inelegibilidade composto por duas fases: 1ª fase, o período remanescente do mandato para o qual o parlamentar cassado foi eleito; e 2ª fase, o período dos oito anos subsequentes ao fim desse mandato.
Dessa forma, a 1ª fase do prazo varia conforme se trate de deputado federal, estatual, distrital ou vereador, cujo mandato é de 4 anos, ou de senador, cujo mandato é de 8 anos, conforme o art. 46, § 1º, da CF.
A expressão legal “término da legislatura” que dá início à contagem dos oito anos (2ª fase do prazo) deve ser identificada como o fimdo mandato para o qual o parlamentar cassado foi eleito (1ª fase do prazo).
Mesmo vislumbrando mais de uma interpretação possível para o enunciado em questão, dogmáticos (como José Jairo Gomes e Edson de Resende Castro) se inclinam para que a norma dele derivada, em se tratando de senadores, abarque sempre o período da segunda legislatura, ainda que eventualmente a cassação tenha ocorrido durante a primeira legislatura, como no caso concreto do ex-senador Demóstenes Torres.
No entanto, como se acaba de ver, o ministro Toffoli achou por bem unificar a contagem do prazo em se tratando de senador, apresentando para sua interpretação judicial o argumento do princípio da isonomia em relação aos demais membros do Poder Legislativo federal, distrital e municipal, bem como o julgamento da ADI 4.089.
Ocorre que, a rigor, não foi essa a questão posta nessa ação ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), nem tal nova interpretação se sagrou vitoriosa na referida ADI. A pretensão do autor da ação se limitava ao pedido de que a contagem do prazo de oito anos do referido dispositivo legal tivesse início na data da perda do mandato do parlamentar para que assim houvesse isonomia com o tratamento dado ao presidente da República na hipótese de impeachment, nos termos do art. 52, parágrafo único, da CF.
No entanto, tal pedido não foi acolhido. A ADI 4.089 foi julgada improcedente, nos termos do voto do relator, ministro Edson Fachin, vencido o ministro Gilmar Mendes, cujo voto-vogal cogitou da nova interpretação do dispositivo legal em comento, mas não foi acolhida.
Muito resumidamente, em seu voto-vogal, o ministro Gilmar Mendes entendeu que a forma de contagem do prazo do art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 81/1994, em duas etapas (tal como explicado acima) implicaria excesso do legislador e violação ao princípio da proporcionalidade, sobretudo na hipótese de um senador cassado no primeiro ano de mandato, cuja inelegibilidade poderá totalizar mais de 15 anos.
Como já dito, o ministro Gilmar ficou vencido, e o art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 81/1994, foi mantido hígidopor ocasião do julgamento da ADI 4.089.
Com isso, a rigor, no caso do ex-senador Demóstenes, a primeira fase do prazo de inelegibilidadevai até 2019, que corresponde ao final do mandato de oito anos para o qual fora eleito, abarcando duas legislaturas. Só a partir daí teria início a contagem da segunda fase do prazo, os oito anos subsequentes, de forma que sua inelegibilidade acabaria só em 31/1/2027.
Daí que, sob o pretexto de julgar extinta a Rcl 29.870 por suposta perda superveniente de objeto, a decisão acabou veiculando nova interpretação do art. 1º, inciso I, alínea b, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 81/1994, para unificar o prazo de inelegibilidade dos senadores com o dos demais parlamentares, contrariando a literalidade do texto legal.
Ocorre que isso não é cabível em sede de reclamação, que, pela própria jurisprudência do STF, é ação vocacionada para a tutela específica da competência e autoridade das decisões proferidas pelo STF, de modo que não materializa ação direta para o controle de constitucionalidade de leis, nem pode funcionar como veículo para consubstanciar (nova) interpretação conforme das normas infraconstitucionais.
Mantida ou não essa decisão, o fato é que a Rcl 29.870 já entra para a coleção dos casos polêmicos envolvendo parlamentares, em que o STF subverte a lógica de total independência da cassação do mandato em relação a outras instâncias e ignora a literalidade do dispositivo legal (já declarado constitucional na ADI 4.089) sobre a contagem do prazo de inelegibilidade de membros do Poder Legislativo nessa hipótese.
]]>“Data are never complete and may not measure exactly what the author of the indicator seeks to access. Thus the truth of indicators can be quite misleading.” [2]
“Quantification has a great deal to contribute to global knowledge and governance, but it is important to resist its seductive claim to truth and to reorganize it is as only one form of knowledge with its own distinctive limitations.” [3]
O título e o objetivo desta coluna foram inspirados pelo excelente livro de Sally Merry, The Seduction of Quantification. Measuring Human Rights, Gender Violence and Sex Trafficking[4]. Nele, a autora analisa o que está por trás da utilização de vários indicadores para mensurar problemas complexos, como direitos humanos, violência de gênero e tráfico sexual.
Para a autora, vivemos em uma época marcada pela sedução da quantificação e pela cultura dos indicadores. Por meio de tais recursos, podemos fazer comparações e rankings, organizar e simplificar o conhecimento, bem como facilitar o processo decisório na ausência de informações contextuais e detalhadas. Sob vários aspectos, a quantificação atende a nosso desejo por um conhecimento simples e acessível, além de preencher a tendência humana de ver o mundo por meio de hierarquias de reputação e status.
Daí o protagonismo dos indicadores, vistos como formas de organização e apresentação sistemática e comparativa da informação, a fim de possibilitar o cotejo entre realidades distintas ao longo do tempo e oferecer informações úteis para a avaliação do cumprimento de metas e objetivos.
Outro ponto importante da cultura de indicadores é que, se tudo precisa ser mensurado, há necessidade de um corpo de expertise tecnocrática para elaborar os instrumentos de mensuração. Daí por que se coloca uma grande expectativa não só na expertise técnica, como no valor dos dados numéricos como forma de conhecimento e base para decisões.
Consequentemente, o fenômeno da cultura de indicadores está baseado na crença na racionalidade técnica e na possibilidade tanto de leitura do mundo social por meio de mensurações e estatísticas, como de mensuração e comparação entre diferentes realidades sociais. Tal forma de ver o mundo ainda se baseia na neutralidade e na objetividade dos indicadores, os quais seriam sempre referenciais fidedignos para orientar políticas públicas baseadas em evidências.
Entretanto, Sally Merry nos mostra o quanto tais premissas são irreais e o quanto as expectativas que normalmente se depositam nos indicadores nem sempre consideram, com a devida atenção, os enormes riscos inerentes à sua utilização.
Com efeito, traduzir e converter realidades confusas e complexas para categorias simples é um processo que encerra em si grande risco de distorcer a complexidade do fenômeno social. Afinal, contar e mensurar coisas exige que elas se tornem comparáveis, o que faz com que, em muitos casos, elas precisem ser descoladas do seu contexto, da sua história e do seu significado, bem como que sejam abstraídos aspectos essenciais, como a linguagem, a cultura, a história e o lugar.
Consequentemente, precisamos assumir que não é fácil comparar questões complexas, como liberdade, pobreza e direitos humanos. Para que isso se torne possível, é muitas vezes imperioso simplificar o conhecimento a tal ponto que, a depender do caso, ele deixará de ser útil ou se tornará completamente distorcido.
Por óbvio, isso não quer dizer que o conhecimento quantitativo não seja útil, pois a própria autora o considera essencial. A sua advertência é a de que, se ele não estiver conectado com outras formas de conhecimento qualitativo, pode levar a grandes simplificações, inferências descontextualizadas, homogeneizações indevidas e negligência tanto da estrutura social na qual os fatos estão embutidos como dos sistemas locais de significados. Daí o risco de se produzir um conhecimento parcial, distorcido e enganoso.
Todavia, ainda há um risco mais grave. Por mais que os números procurem aplacar nosso desejo pelo conhecimento sem ambiguidade ou vieses e as informações estatísticas sejam muitas vezes usadas para atribuir a decisões políticas a característica de serem científicas ou baseadas em evidências, não é bem assim que as coisas acontecem.
Como os dados precisam sempre de interpretação, é inequívoco que a elaboração de um indicador envolve complexos juízos valorativos e muitas escolhas, que vão desde os dados que devem ser considerados e como devem ser considerados. Daí a tese da autora de que os indicadores não revelam a realidade, mas sim a criam, na medida em que representam um jeito particular de decotar aspectos da realidade ou de trazer à tona uma face da realidade dentre outras possíveis.
Soma-se a isso as próprias dificuldades inerentes às análises de dados, especialmente quando os dados são precários, limitados ou inconclusivos, quando há necessidade de utilização de proxies ou quando os pesquisadores se deparam com grandes incertezas.
Daí por que não se pode entender que a análise de dados ou a análise empírica é propriamente uma análise objetiva. Aliás, um dos propósitos do livro de Sally Merry é precisamente desbancar o mito da objetividade das análises quantitativas e dos indicadores que costumam ser por elas utilizados.
Para a autora, a objetividade de tais indicadores é um mito por duas grandes razões. A primeira delas é que a quantificação cria uma falsa especificidade: o indicador normalmente apresenta ter uma acurácia e uma precisão bem maiores do que tem na verdade. A segunda é que tais análises quantitativas camuflam considerações valorativas e políticas.
Com efeito, os indicadores são moldados – as vezes até inconscientemente – pelas premissas, motivações e preocupações daqueles que estão elaborando. Uma vez que são produzidos por indivíduos, networkse instituições que têm seus interesses e possuem suas agendas, é claro que tais perspectivas são determinantes para os resultados.
Esse segundo aspecto é particularmente importante pois, apesar da proeminência contemporânea do conhecimento quantificado, há pouca analise sobre os seus efeitos no conhecimento e na governança, assim como há pouca preocupação com os processos sociais e políticos da produção desses índices.
Para a autora, muito da cultura de indicadores baseia-se na aceitação pragmática da mensuração imperfeita e do ceticismo em relação a política. Daí por que se desloca o processo decisório para técnicos, que supostamente oferecerão expertise e objetividade para assegurar a credibilidade e a legitimidade dos indicadores por eles criados.
Daí Sally Merry vincular a cultura de indicadores à ideia de regulação baseada em evidências, que também valoriza o empirismo e o conhecimento quantitativo traduzido em guias, standards, métricas e avaliações de perfomance que são essenciais para a tomada de decisão. A consequência básica dessa visão de mundo é a de transferir a responsabilidade por decisões e políticas públicas para experts – especialmente para experts em quantificação – o que reforça a tensão entre tecnocracia e democracia.
É no contexto dessas discussões que a obra sob análise procura desvelar, a partir de cuidadosos exames etnográficos sobre três importantes indicadores globais – violência contra mulheres, tráfico de pessoas e violações de direitos humanos –, como tais indicadores são construídos, a fim de demonstrar que eles realmente refletem os mundos sociais e culturais dos atores e das organizações que os criam e também o regime de poder nos quais são formados. Entretanto, esse aspecto social e político dos indicadores é normalmente ignorado em face das premissas que aceitam facilmente e sem maior reflexão a objetividade dos números e o valor da racionalidade técnica.
Para a autora, os indicadores fazem parte de um regime de poder baseado na coleta e análise de dados e suas representações. Assim, é fundamental saber quem cria esses dados, de onde vêm esses dados, como são interpretados e por meio de que tipo de expertise. É nesse contexto que a autora desenvolve o argumento central do livro, segundo o qual a produção e o uso de indicadores globais é moldado por desigualdades em poder e em expertise.
No caso dos indicadores de violência contra mulheres, a autora mostra, por exemplo, que eles ignoram os complexos processos sociais e as ideologias competem em torno do que causa a violência contra mulheres. Daí o resultado final de distanciamento da realidade.
Entretanto, o aspecto mais interessante da análise da autora é verificar como a elaboração de tais índices está cercada de muitas escolhas valorativas, o que afasta, por si só, o mito da neutralidade:
“In sum, apparently small decisions about how to categorize severity, how to select models for the next study, how to decide which experts to consult, and what theory of violence and its solution to employ have major impacts on the kind of data that are generated and the picture they paint of the world. There are not “objective” numbers: these numbers are clearly interpreted at every step of the way. What appears to be objective, scientific process of data collection and analysis has important political dimensions and consequences but works largely outside the sphere of political debate and contestation. As such, it constitutes a key dimension of power in the new global governance”.[5]
Portanto, ao analisar o processo de elaboração dos três índices objeto de sua pesquisa, a autora mostra como eles são claramente produtos de instituições particulares, de contextos políticos e econômicos, de preferências culturais por quantificação e de determinadas agendas de reforma e gerenciamento. Em cada caso, um conjunto específico de atores, apoiadores institucionais e teorias produziram esses indicadores, os quais resultaram da expertise específica desses autores e da disponibilidade de dados.
Há, portanto, uma verdadeira “política dos indicadores”, que fica visível nas categorias que são construídas, nas decisões que são tomadas sobre o que deve ser considerado ou nos conceitos que devem ser mensurados. Afinal, todo o conhecimento embutido nos indicadores decorreu da interpretação que lhe foi dada pelos atores envolvidos no processo.
A partir de tais constatações, fica fácil entender as conclusões finais da autora, no sentido de que cada sistema de mensuração realmente constrói uma teoria da vida social e das estratégias para mudanças, sendo que tal teoria está totalmente embutida na forma como os dados foram coletados, organizados e apresentados.
Todas essas considerações, repita-se, são apresentadas pela autora não para desmerecer o conhecimento quantitativo e os indicadores. O alerta da sua obra é de que, assim como precisamos fazer melhores indicadores, precisamos conciliar o conhecimento quantitativo com o conhecimento qualitativo.
Mais do que isso, precisamos entender que mesmo o conhecimento quantitativo não tem a objetividade que normalmente lhe é atribuída pois decorre de uma série de avaliações subjetivas e de escolhas valorativas que os seus formuladores precisam enfrentar, notadamente que dados serão utilizados e como serão utilizados.
Aliás, do ponto de vista democrático, seria muito importante que tais avaliações e escolhas fossem públicas e suscetíveis do controle social. Tal tipo de transparência certamente facilitaria a identificação das falhas e reducionismos dos índices, possibilitando não só esforços para o seu aprimoramento como também para a devida complementação com o conhecimento qualitativo que se mostrar necessário em cada caso.
[1] MERRY, Sally Engle. The Seduction of Quantification: Measuring Human Rights, Gender Violence, and Sex Trafficking. Chicago Series in Law and Society. 2016, p. 5.
[2] MERRY, Sally Engle. The Seduction of Quantification: Measuring Human Rights, Gender Violence, and Sex Trafficking. Chicago Series in Law and Society. 2016, p. 5.
[3] MERRY, Sally Engle. The Seduction of Quantification: Measuring Human Rights, Gender Violence, and Sex Trafficking. Chicago Series in Law and Society. 2016, p. 222.
[4]Op.cit.
[5] Op.cit., p. 111.
]]>Hoje, os dez países mais bem avaliados no índice são: Suíça, Suécia, Estados Unidos, Reino Unido, Singapura, Finlândia, Holanda, Alemanha, Dinamarca e Coreia do Sul. Os dados serão divulgados nesta quarta-feira (27/9), na abertura do 10° Congresso Internacional de Inovação da Indústria, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo Sebrae, no São Paulo Expo.
A classificação é anualmente divulgada, desde 2007, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI – WIPO, na sigla em inglês), em parceria com o Insituto Portulans e o apoio de parceiros internacionais. No caso do Brasil, a CNI e a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), parceiras na produção e divulgação do índice desde 2017.
Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, avalia que o Brasil possui condições de crescer anualmente no ranking, por meio de investimentos e políticas direcionadas à ciência, tecnologia e inovação. “A posição do Brasil no Índice Global de Inovação vem melhorando nos últimos anos. No entanto, temos um potencial muito inexplorado para melhorar o nosso ecossistema de inovação, atingir o objetivo de integrar os setores científico e empresarial e, consequentemente, promover maior inovação”, afirma Andrade.
Os dados divulgados mostram o Brasil na liderança entre os países da América Latina e Caribe, depois de 12 anos fora do recorte das 50 economias mais bem classificadas no IGI. Com a nova colocação de economia mais inovadora da região, o país despontou pela primeira vez o Chile, que aparece em 52° lugar. Em seguida, aparece o México, ocupando a 58ª posição.
Comparado aos países que compõem o bloco econômico do BRICS, o Brasil aparece em terceiro lugar, ficando à frente da Rússia (51° lugar) e África do Sul (59° lugar). Os mais bem colocados do bloco são a China, que ocupa a 12ª colocação de economia mais inovadora, e a Índia, que se encontra na 40ª colocação do ranking do IGI.
O tema do Congresso Internacional de Inovação da Indústria, que ocorre nesta quarta (27/9) e quinta-feira (28/9) em São Paulo, é a ecoinovação. Uma pesquisa divulgada no início da semana pela CNI revela que quase metade das indústrias nacionais têm projetos ou planos de ação envolvendo ecoinovação.
Na região da América Latina, o Brasil desempenha um papel de liderança entre os países que buscam operar com a tecnologia verde. Os depósitos de patentes verdes no Brasil têm respondido por mais da metade do total de pedidos dos escritórios latino-americanos analisados.
A CNI aponta que o país enfrenta a oportunidade histórica de se tornar um líder verde globalmente, bem como apresenta uma participação maior de patentes verdes em comparação com as principais economias: 16,1% no Brasil versus 14,9% nos EUA, 14,3% na UE e 15,3% na China. Entretanto, esse diferencial vem caindo nos últimos anos.
Para os organizadores do IGI, segundo a CNI, o Brasil precisa estabelecer uma cultura de ecoinovação, o que envolve aumentar a propensão das empresas para assumir riscos, mas também reforçar o apoio governamental à inovação verde. As áreas de gestão de resíduos, conservação de energia, energia alternativa e transporte oferecem capacidades inovadoras promissoras na indústria brasileira.
]]>O pedido foi feito nos autos da Reclamação 60.620, de relatoria do ministro Edson Fachin, e trata dos limites de teses fixadas pela Corte, com base nos paradigmas firmados na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF) 324, no Recurso Extraordinário 958.252, nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5.625 e 3.961 e na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 48.
Os precedentes citados reconhecem a validade da terceirização de atividade-fim em geral e, especificamente, a licitude da figura do transportador autônomo nas atividades de transporte de cargas e de contratos de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor.
Segundo o PGR, há divergência de entendimento sobre o tema entre as Turmas do STF, o que tem gerado decisões contraditórias em casos idênticos e “provoca um quadro de insegurança jurídica e violação da isonomia”.
“O Supremo construiu jurisprudência estável no sentido da necessidade de máximo rigor na verificação dos pressupostos específicos da reclamação. Exige-se o ajuste exato entre os atos questionados e os julgados paradigmas”, pontuou Aras.
De acordo com o procurador-geral, entre 2019 e junho de 2023, mais de 780 mil casos envolvendo pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício chegaram à Justiça especializada – que demonstra a repercussão social do tema.
Aras observou que falta às teses fixadas a validação da terceirização nas hipóteses de fraude ao vínculo de emprego, ou que a Justiça do Trabalho não possa reconhecer práticas fraudulentas no âmbito da terceirização.
Para o PGR, é inadmissível o uso da reclamação na hipótese dos autos. “A discussão em torno de eventual desacerto por parte da Justiça do Trabalho há de ser implementada pelas vias recursais ordinárias, as quais possibilitam a reforma das decisões pela reapreciação dos fatos e das provas objeto da instrução processual”, afirmou.
Previsto no Código de Processo Civil (CPC), o incidente de assunção de competência (IAC) tem a capacidade de viabilizar o julgamento de um caso por órgão colegiado de maior composição, como o Plenário, no caso do STF. Além disso, pode prevenir ou compor a divergência interna identificada no Tribunal e formar precedente obrigatório que vinculará as decisões da própria Suprema Corte, seus órgãos e dos juízos a ela subordinados.
Recentemente, a a 1ª Turma do STF cassou duas decisões da Justiça Trabalhista que reconheciam o vínculo de emprego entre franqueados e a seguradora Prudential. Dias antes, a mesma Turma negou, por 3 votos a 2, um recurso contra uma decisão em que o ministro Luiz Fux havia mudado de posição, e manteve acórdãos da Justiça do Trabalho que reconheceram a existência de vínculo empregatício entre corretores e empresas do grupo Cyrela.
]]>”Esse é um assunto que precisa necessariamente passar pela discussão dentro do Legislativo, que representa em última instância o povo brasileiro”, afirmou. De acordo com o senador, esse tema não pode ”ser simplesmente decidido por 11 juízes, com toda legitimidade que eles, porventura, tenham”. ”É um assunto que precisa ser discutido neste parlamento e referendado pela população brasileira através de uma consulta popular”, acrescentou.
A iniciativa dos parlamentares da oposição é uma resposta à retomada do julgamento do tema, em plenário virtual, no Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira (22/9). No mesmo dia em que o julgamento foi iniciado e suspenso após um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, o senador informou que havia coletado as 27 assinaturas mínimas para iniciar o processo de tramitação da proposta para a convocação de um plebiscito.
O plebiscito, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é uma consulta ao povo para decidir sobre uma matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. O plebiscito, por exemplo, é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta.
No PDL proposto pelos parlamentares, a população será consultada a responder ”sim” ou ”não” à questão: ”Você é a favor da legalização do crime de aborto?”
Hoje, no Brasil, o aborto é permitido somente em três casos: quando a gravidez apresenta risco à vida da gestante; quando a gravidez é fruto de uma violência sexual; e em casos de anencefalia fetal, conforme foi decidido pelo STF em 2012.
Além de anunciar o pedido para a realização do plebiscito, Marinho também convocou a população para participar de um movimento no dia 12 de outubro para dizer ”a sua posição a favor da vida” e a favor ”desse direito que une todos os seres humanos”.
Retomado na última sexta-feira (22/9), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que discute a descriminalização do aborto, foi pautada pela ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para a sessão do plenário virtual.
A ministra votou para que o aborto deixe de ser crime no país se provocado até a 12ª semana de gestação. Logo depois da apresentação do voto de 103 páginas da relatora, o ministro Luís Roberto Barroso destacou o julgamento para que ele continue no plenário físico, com direito a sustentações orais. Barroso será o próximo presidente da Corte, a quem caberá pautar o processo.
“No marco igualitário do constitucionalismo, a liberdade constitucional de escolha corresponde à igual dignidade que é atribuída a cada um. A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade”, avalia a ministra Rosa Weber.
Para a ministra, a “tutela da vida humana intrauterina é construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela, tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar. Se é assim, a intervenção estatal sancionatória, radicada na punição criminal da decisão da mulher, deve demonstrar compatibilidade com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade na proteção dos interesses constitucionais em conflito, o que não se verifica”.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acionou o STF em março de 2017 para que a Corte se manifestasse sobre a descriminalização do abroto. A agremiação afirma que os artigos 124 e 126 do Código de Processo Penal (CPP), que tratam do crime de aborto, violam direitos fundamentais das mulheres e pede que o STF declare a não recepção parcial dos artigos pela Constituição para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas.
]]>O parecer foi encaminhado na segunda-feira (25/9) ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julga o tema nas ações diretas de inconstitucionalidade 7047 e 7064, sob relatoria do ministro Luiz Fux.
As emendas constitucionais questionadas estabeleceram um teto anual para o pagamento dos precatórios (dívidas do governo reconhecidas em caráter definitivo pela Justiça), até 2027.
Os autores das ações sugerem, em linhas gerais, que as mudanças violam o Estado Democrático de Direito, o devido processo legislativo, a separação dos Poderes, o direito de propriedade, o princípio da isonomia, o direito à tutela jurisdicional efetiva e à razoável duração do processo, a segurança jurídica, a coisa julgada e o direito adquirido, o princípio do juiz natural e, por fim, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência administrativas.
Para a AGU, as emendas serviram para gerar um “falso alívio fiscal”. “Se, por um lado, a suspensão do pagamento integral dos precatórios trouxe um falso alívio fiscal imediato, por outro, a medida teve como consequência a imposição de dificuldades à preservação da sustentabilidade fiscal de longo prazo, além de produzir impactos negativos nas estatísticas fiscais e efeitos econômicos nocivos indiretos”.
A União sustenta que a medida não é clara quanto ao prazo para pagar as dívidas. “Essa medida estendeu artificialmente o prazo para o cumprimento de decisões condenatórias impostas ao Poder Público, sem estabelecer uma solução clara para o pagamento do passivo acumulado após o fim de sua vigência. Dito de outra forma, não é possível depreender dessa nova sistemática quando exatamente serão quitados os precatórios não pagos.”
Ainda segundo a AGU, o regime prevê aumento crescente da despesa e pode gerar um estoque impagável até 2027, com dívida que pode chegar a R$ 250 bilhões.
“(…) a permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória, intensificando e projetando em um maior período de tempo as violações a direitos fundamentais que serão melhor explanados no tópico seguinte”.
]]>Para 42% dos entrevistados, o fato de ser mulher não deveria importar para a indicação para o STF. Entretanto, o critério foi o terceiro mais citado entre os atributos que importam muito, com 32% – ficou atrás de notório saber jurídico (74%) e ter exercido cargos de relevância nacional (36%). Na soma entre muito importante, importante, algo importante e pouco importante, 58% consideram o atributo minimamente importante.
Em relação a ser negro, 44% consideram este critério nada importante, enquanto 28% consideram muito importante. Na soma, 56% consideram minimamente importante. Ainda sobre a escolha para o Supremo, ser católico ou evangélico foi considerado nada importante por pelo menos 57% dos entrevistados.
Tanto o critério de cor quanto o de raça, entretanto, estão sendo rejeitados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a escolha para o cargo. Em entrevista a jornalistas, ele afirmou que “já passou por tudo isso” e que busca uma pessoa que “possa servir ao Brasil”.
A pesquisa mostrou ainda que 44,7% não confia no trabalho e nos ministros do STF, enquanto 44,5% confiam, outros 7,8% disseram não saber. Quando são consideradas apenas as respostas daqueles que votaram no ex-presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022, o índice dos que não confiam sobe para 94,5%. Entre os eleitores de Lula, o percentual cai para 7,1%.
Questionados se odeiam os ministros da Corte, 51,7% disseram que não odeiam, mas têm opinião negativa sobre alguns deles, 16% afirmaram categoricamente que odeiam e 32,3% responderam o contrário, disseram que têm opinião positiva sobre a maioria dos magistrados. No recorte entre os eleitores de Bolsonaro, o índice dos que odeiam os ministros vai a 31,3%. Entre os de Lula, cai para 3,4%.
Sobre a decisão da Corte de condenar os participantes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, 45,4% disseram concordar e 40,7% discordar. Por outro lado, uma maioria (54,1%) discordou da decisão do ministro Dias Toffoli de anular as provas colhidas durante a Lava Jato e o acordo de leniência fechado com a Odebrecht.
Em relação ao presidente Lula, 51,5% o aprovam enquanto 46% desaprovam e 2,5% disseram não saber. Já o governo é avaliado como bom e ótimo por 44,1% e ruim ou péssimo por 41,5%, 13,1% consideram regular. Na comparação com o governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, a área melhor avaliada é a de relações internacionais, seguida de direitos humanos e igualdade racial, além de redução da pobreza e políticas sociais.
Sobre as propostas de uma maneira geral, a maioria é a favor da adoção de uma reforma tributária (58%) e contra a instalação de uma ditadura militar (73%), da legalização da maconha (73%) e da legalização do aborto (68%). Os principais problemas do país foram considerados a criminalidade e tráfico de drogas (56,7%) e a corrupção (56%).
A AtlasIntel fez 3.038 entrevistas entre os dias 20 e 25 de setembro, com metodologia de recrutamento digital aleatório. O nível de confiança é de 95% e a margem de confiança é de 2,2 pontos percentuais.
]]>No Brasil, a desigualdade de gênero no campo da inovação também é uma realidade que não pode ser ignorada. Em 2022, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou relatório abordando a questão da diversidade na propriedade intelectual.[2] No início de 2023, o governo federal lançou o programa Empreendedoras.tech, destinado a fomentar projetos de empreendedorismo de caráter inovador liderados por mulheres.
No entanto, existe uma lamentável desconexão entre as iniciativas do poder público buscando promover a participação feminina na inovação tecnológica e a escassa representatividade de mulheres nos cargos de liderança do sistema brasileiro de propriedade intelectual.
Desde sua fundação há 53 anos, o INPI teve apenas uma presidente mulher: Vanda Regina Teijeira Scartezini, que ocupou o cargo por um breve período de sete meses, entre 14/9/1995 e 7/5/1996. Atualmente, 5 das 6 principais posições no INPI são ocupadas por homens.[3] A única exceção é a Diretoria Executiva. A tendência se mantém nas unidades operacionais e coordenadorias-gerais, onde 18 dos cargos de chefia são ocupados por homens e apenas 9 por mulheres.[4] Em resumo, 70% das posições de liderança no INPI estão nas mãos de homens.
Não há justificativa para tamanha disparidade. O relatório de diversidade do INPI de 2022 mostra que os homens representam 55% do quadro de pessoal da autarquia. O problema não é, portanto, a falta de mulheres, mas sim a falta de comprometimento com a promoção da diversidade dentro do poder público.
Mesmo o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI), instituído em 2019, não escapa dessa realidade de desigualdade. Embora presidido por duas mulheres, representantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o GIPI é composto por 38 homens e 26 mulheres, considerando titulares e suplentes.[5] A disparidade é ainda mais evidente entre os membros titulares indicados pelo poder público, com 9 homens e apenas 2 mulheres.
O problema não está limitado ao Poder Executivo. No Poder Judiciário, somando-se todas as instâncias, 73% dos magistrados que julgam casos de propriedade intelectual são homens. Embora haja um equilíbrio um pouco maior em primeira instância, com 6 mulheres e 9 homens designados para varas especializadas nas justiças estaduais e federal,[6] a participação feminina diminui nos níveis mais elevados da carreira judiciária.
Em segunda instância, apenas 4 mulheres compõem os órgãos colegiados especializados em propriedade intelectual, em contraste com 16 homens. No Tribunal de Justiça de São Paulo, não há uma única desembargadora nas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial. Já no Superior Tribunal de Justiça, as mulheres representam apenas 20% da composição das Turmas com competência para julgar processos em propriedade intelectual.
Essas estatísticas são alarmantes e refletem a desigualdade de gênero sistêmica no Poder Judiciário, revelada pelo Relatório Justiça em Números 2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo os dados mais atuais, mulheres representam 40% da composição do Judiciário em primeira instância, 25% em segunda instância e 18% nas instâncias superiores.[7] O chamado “teto de vidro” é mais evidente do que nunca.
No estudo citado no começo deste texto, a OMPI identifica vários fatores que contribuem para essa disparidade na cadeia de inovação, incluindo a baixa presença de mulheres nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (no acrônimo em inglês, STEM) e a dificuldade de retenção de mulheres por empresas privadas e universidades. Entretanto, esses fatores não são suficientes para justificar a desigualdade de gênero no âmbito da propriedade intelectual no setor público brasileiro.
Promover a diversidade não é somente uma questão de justiça social. Estudos demonstram que a diversidade fomenta a inovação.[8] Isso não deveria ser surpresa: pessoas com diferentes experiências de vida são capazes de contribuir com perspectivas singulares. Um ambiente diversificado é solo fértil para o desenvolvimento de ideias inovadoras.
Nesse sentido, não há ninguém melhor posicionado para debater políticas públicas de diversidade, equidade e inclusão, e propor soluções criativas e eficazes, do que as mulheres e outros grupos sub-representados. Embora todos tenham a responsabilidade cívica de apoiar essa agenda, é fundamental dar voz às mulheres e a demais grupos para que ocorra avanço efetivo. Por mais louváveis que sejam as iniciativas do poder público no fomento à participação feminina na inovação tecnológica, não podemos subestimar a importância da representatividade nas posições de liderança do sistema de propriedade intelectual, parte essencial do ecossistema da inovação.
[1] WIPO Development Studies. The Global Gender Gap in Innovation and Creativity: An International Comparison of the Gender Gap in Global Patenting over Two Decades (2023).
[2] Relatório de Diversidade, Inclusão e Equidade em PI (2022).
[3] Além da Presidência, a Diretoria de Administração, a Diretoria de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados, a Diretoria de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas, e a Procuradoria Federal Especializada.
[4]Quem é quem — Instituto Nacional da Propriedade Industrial (www.gov.br). Acesso em 09 de set. de 2023.
[5]Governo Federal – Participa + Brasil – Composição (www.gov.br). Acesso em 09 de set. de 2023.
[6] Somente os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro e a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro contam com varas especializadas em propriedade industrial.
[7]justica-em-numeros-2023.pdf (cnj.jus.br)
[8] A título exemplificativo, cita-se estudo que analisa os efeitos diretos e indiretos da diversidade de gênero na inovação em países emergentes: TONOYAN, Vartuhi; BOUDREAUX, Christopher J. Gender diversity in firm ownership: Direct and indirect effects on firm-level innovation across 29 emerging economies. Research Policy, v. 52, n. 4, May 2023.
]]>A proposta prevê a alternância do uso de duas listas nas promoções conforme as vagas destinadas ao critério de merecimento forem abrindo: uma mista, com homens e mulheres, e outra só de mulheres. A ideia é de que a ação afirmativa fique em vigor até que seja atingido pelo menos o percentual de 40% de juízas nos tribunais.
O texto inicial também previa uma lista exclusivamente feminina para o critério de antiguidade. A proposta, entretanto, abriu divergências no colegiado. O conselheiro Richard Pae Kim, que havia pedido vistas do processo na última terça-feira (19/9), argumentou que a lista exclusivamente feminina para o critério de antiguidade fere a Constituição. “Não me parece haver espaço para a introdução de lista exclusiva para mulheres. Isso porque o artigo 93 da Carta da República, em momento algum, explicita o critério de equidade de gênero quanto ao acesso dos magistrados aos tribunais de segundo grau”, disse em seu voto.
Com objetivo de construir consenso, a relatora, desembargadora Salise Sanchotene, acolheu a justificativa e ajustou seu voto. “Eu tenho que entender aqui, na minha função, é preciso avançar. Nós construímos um consenso aqui, de eu fazer uma reformulação do meu voto para retirar a antiguidade e permanecer o meu voto em relação ao merecimento”, explicou.
A presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, comemorou o resultado e o definiu como uma vitória para as magistradas. “Às vezes, temos que ir mais devagar, ainda que, a cada passo, acumulando, enriquecendo, e, sobretudo, estabelecendo consensos”, afirmou Rosa Weber, em sua última sessão como ministra no cargo, devido à sua aposentaria compulsória em 3 de outubro.
Com exceção do conselheiro Mário Goulart Maia, que deixou o CNJ na semana passada e havia votado a favor da proposta inicial, também foram a favor do texto com os ajustes os conselheiros Marcio Luiz Coelho de Freitas, Jane Granzoto Torres da Silva, Giovanni Olsson, João Paulo Santos Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho.
Uma das pesquisas que corroboram o voto da relatora é do centro de pesquisas JUSTA, que aponta que 77% dos juízes brasileiros de segunda instância são homens e 23% são mulheres.
Em parecer elaborado a pedido do Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário do CNJ, Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sustenta que a adoção de política de ação afirmativa para ampliação do acesso feminino a esse espaço de poder, mais do que uma faculdade, configura verdadeira obrigação constitucional.
Para Sarmento, a falta de equidade de gênero na composição dos tribunais, além de evidenciar a discriminação direta ou indireta das juízas, compromete a própria legitimidade democrática das cortes, bem como a sua capacidade de cumprir de modo adequado a sua missão institucional maior, de proteger os direitos fundamentais de todas as pessoas.
O ato normativo aprovado é o de número 0005605-48.2023.2.00.0000.
]]>Demandismo ou advocacia predatória ou assédio processual, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), consiste na provocação do Poder Judiciário mediante o ajuizamento de demandas massificadas com elementos de abusividade ou fraude.
Trata-se de prática que veio crescendo desapercebidamente no meio jurídico, mas que, agora, ante o volume que tomou, passou a ser objeto de atenção por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de seus Tribunais de Ética que examinam e julgam processos administrativos disciplinares contra os advogados, e por parte do Poder Judiciário, que começa a tomar uma ação organizada para coibir essa prática em âmbito nacional.
Nesse sentido, a recente convocação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para uma audiência pública, com início em 4 de outubro, para discutir o Tema de Recurso Repetitivo 1.198, que tem por fim definir uma tese de aplicação geral a todos os processos sobre a “possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte emende a (petição) inicial com a apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo.”
O resultado positivo da audiência orientará o magistrado, com base no Poder Geral de Cautela previsto no artigo 330, quarto parágrafo do Código de Processo Civil, a inibir uma ação predatória assim que receber a inicial, mediante a determinação da juntada de documentos para complementar a inicial com procuração específica indicando claramente o tipo de ação a ser ajuizada e o nome do réu, comprovante de residência do autor, e documentos que ele, juiz, entenda necessários para a propositura da demanda.
Aliás, isolada e pontualmente, temos visto esse tipo de ordem judicial quando, por exemplo, o magistrado, ante um pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, determina ao autor a juntada de extratos bancários ou holerites dos últimos três meses, de sua carteira de trabalho, da última declaração de imposto de renda, enfim, de alguns documentos que, minimamente, possam justificar o pedido.
Mas, como dissemos, trata-se de ordem judicial pontual, de iniciativa isolada de um ou outro magistrado. Ocorre que o chamado demandismo ou advocacia predatória se sofisticou. Não se trata mais apenas de ações de massa, com petições padronizadas, de conteúdo genérico, e sem fundamentação idônea.
Houve uma evolução dos métodos. Temos visto, no âmbito das companhias aéreas, que passou-se a adotar uma prática de pulverização das ações. Melhor explicando: antes, uma família que reclamava de um overbooking, por exemplo, ajuizava uma única ação.
Hoje, as ações são pulverizadas de acordo com o número de familiares gerando um número maior de ações. O mesmo se diga em relação à perda de um voo de ida e volta. Antes, ajuizava-se uma única ação reclamando ambos os trechos, hoje, certamente para aumentar as chances de ganho financeiro, a prática predatória consiste em ajuizar uma ação para o trecho de ida e outra para o trecho de volta.
O processo judicial eletrônico, o alcance nacional da publicidade nos aplicativos de internet, a facilitação da postulação com a inversão do ônus da prova e a concessão das benesses da justiça gratuita, desprovida de documentação idônea, são facilitadores ao ajuizamento de ações de massa por um mesmo advogado, a um baixo custo e sem a necessidade de provas.
O ajuizamento irresponsável de centenas ou milhares de ações repetidas visando a condenação de grandes empresas, como instituições financeiras e companhias aéreas, em verba honorária de sucumbência e em indenizações por danos morais está abarrotando o Poder Judiciário, em prejuízo de uma célere e boa prestação da tutela jurisdicional, e encarecendo o custo financeiro do processo.
A propositura indiscriminada de ações é fomentada pelo fato de que as ações indenizatórias se tornaram um business lucrativo. Não se visa mais a solução do problema do consumidor, o que muitas vezes foi inclusive solucionado pelos fornecedores de serviço, ainda que tardiamente, mas sim a indenização de danos morais. E mais, esse direito (em regra, direito da pessoa física), muitas vezes é cedido (por meio de cessão de crédito) às Law Tecs (pessoa jurídica), o que desvirtua totalmente o instituto.
Soma-se a isso que as ações são propostas sem que antes seja dada às empresas a oportunidade de resolver amigavelmente a situação. Podemos afirmar que grande parte das demandas são promovidas sem que antes os consumidores procurem as empresas para uma solução.
Afinal esses consumidores estão sendo cada vez mais buscados ativamente por advogados predadores, pelos mais diversos meios, mas principalmente os digitais, sob a promessa de indenizações exacerbadas, em vez de resolver diretamente com as empresas.
Nesse sentido, os advogados predadores estão estimulando demanda judiciais e movimentando o Poder Judiciário sem que as empresas tenham sequer negado o atendimento ou a resolução das situações de cada consumidor. Não há resistência alguma.
A continuar tal litigância desmedida, não haverá funcionários nem juízes suficientes para dar conta de tanta demanda. A iniciativa do STJ decorre exatamente dessa constatação: o demandismo prejudica a celeridade processual, encarece o processo, causa danos à sociedade e, sem sombra de dúvidas, deixa os produtos ou serviços mais caros com o repasse desse altíssimo custo.
Como o Poder Judiciário não pode se recusar de julgar, o demandismo acaba impondo ao Judiciário que trabalhe para uns poucos cujos interesses são evidentemente escusos. Ao que tudo indica, um grande abuso de direito.
O resultado favorável da audiência a ser realizada pelo STJ convocará a magistratura nacional a combater, com base no Poder Geral de Cautela, a prática indiscriminada do “ato ilícito de abuso processual”, nas palavras da Ministra Nancy Andrighi (REsp 1.817.845-MS) que “ocorre quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais”.
Importante concluir louvando a iniciativa do STJ e observando que também se faz importante incluir nos debates a necessidade de uma atuação mais enérgica no aspecto punitivo, mediante a condenação da parte e dos advogados que atuam de forma temerária, nas penas da litigância de má-fé (artigos 5º, 80 e 81 do Código de Processo Civil), bem como com a expedição de ofícios aos órgãos competentes para apuração de eventual prática de crime e de infração ética (OAB).
Por outro lado, ainda vale refletir melhor sobre os motivos que levam tantos advogados a investir na indústria dos danos morais, assim como cabe aos Poderes Legislativo e Judiciário avaliar melhor a questão da lide resistida nas demandas promovidas sem que haja a possibilidade da empresa resolver amigavelmente.
]]>A matéria determina ainda que todos os atos dos profissionais de saúde, quando praticados na modalidade, terão a mesma validade dos atos presenciais. O projeto traz como modalidades de teleatendimentos a teleconsulta, a teleinterconsulta, o telediagnóstico, a telecirurgia, o telemonitoramento ou televigilância e a teletriagem.
Em relação à autonomia profissional e ao consentimento do paciente, a proposição determina que ao profissional de saúde seja assegurada a autonomia em decidir se utiliza ou recusa os recursos da utilização da telessaúde, indicando o atendimento presencial sempre que entender necessário. Já ao paciente é garantido o direito de recusa ao atendimento na modalidade, com garantia da consulta presencial sempre que solicitado.
A proposição segue para sanção ou veto do governador.
O prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), sancionou a Lei 7.570/2023, que assegura à pessoa com transtornos mentais acompanhada de cão de suporte emocional o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os locais públicos ou privados de uso coletivo, em qualquer meio de transporte público e em estabelecimentos comerciais. Impedir ou dificultar o acesso ao direito previsto em lei poderá resultar em multa de R$ 1.000.
Para a identificação da pessoa com transtornos mentais, é necessário apresentar atestado emitido por um psiquiatra ou psicólogo indicando o benefício do tratamento, devendo este atestado ser renovado a cada seis meses. O cão deve ter adestramento de obediência básica e isento de agressividade, comprovado por instituição ou profissional autônomo certificado, contendo o nome e o CNPJ do centro de treinamento ou o CPF do instrutor autônomo. No entanto, o ingresso de cães de suporte emocional é proibido nos locais em que seja obrigatória a esterilização individual.
O animal precisa estar com um crachá de cor branca afixado no colete, contendo o nome do tutor, nome do cão, fotografia e raça. O colete tem de ser na cor vermelha com a identificação de “suporte emocional”. A carteira de vacinação tem de estar atualizada, com comprovação de vacinação múltipla e antirrábica assinada por médico veterinário.
Consultas Públicas do Ministério de Minas e Energia
O Ministério de Minas e Energia está com duas consultas públicas abertas. Na semana passada, a pasta publicou a Portaria 749/GM/MME, de 18 de setembro de 2023, em que divulga, para Consulta Pública, proposta de Portaria Normativa que estabelece “diretrizes gerais para o enfrentamento de situações emergenciais de restrição temporária do fornecimento de energia elétrica ou situações com potencial risco iminente de suspensão do fornecimento de energia elétrica, no Sistema Elétrico Brasileiro – SEB, relacionadas a ações específicas deliberadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE)”.
A minuta de Portaria Normativa e a Nota Técnica 15/2023/CGEN/DDOS/SNEE, que fundamenta a proposta, podem ser obtidas no site do Ministério de Minas e Energia.
O MME também abriu a Consulta Pública 155/2023 com intuito de receber da sociedade e dos setores contribuições sobre as metas compulsórias anuais do RenovaBio (Ciclo 2024 – 2033).
A consulta pública colherá sugestões para o trabalho de ajustes das premissas de mercado, certificação e perfil de frota, capazes de manter o objetivo de descarbonização da matriz de combustíveis em 10% de 2018 a 2030, observando a proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de combustíveis. As contribuições podem ser enviadas até 14 de outubro.
O Ministério da Agricultura e Pecuária abriu três consultas públicas na semana passada para contribuições a minutas de portarias que tratam de procedimentos para registro, controle e fiscalização de estabelecimentos para coleta e processamento de sêmen de animais e de sexagem de sêmen animal. As consultas ficam abertas até 7 de novembro. As minutas podem ser consultadas aqui.
A Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou definitivamente o PL 3668/2021, que dispõe sobre a produção, registro, comercialização, uso, destino final dos resíduos e embalagens, o registro, inspeção e fiscalização, a pesquisa e experimentação, e os incentivos à produção de bioinsumos para agricultura e dá outras providências.
O projeto, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), é chamado de marco jurídico dos bioinsumos e busca a transição do uso de agrotóxicos para o uso de bioinsumos. A matéria vai à Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação em plenário aprovado.
Duas leis que reconhecem práticas benéficas às mulheres por empresas foram sancionadas nesta semana pelo presidente da República. A Lei 14.682, de 20 de setembro de 2023, cria o selo Empresa Amiga da Mulher, com a finalidade de identificar sociedades empresárias que adotem práticas direcionadas à inclusão profissional de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. E a Lei 14.683, de 20 de setembro de 2023, institui o selo Empresa Amiga da Amamentação, para estimular o desenvolvimento de ações de incentivo ao aleitamento materno.
]]>A manifestação foi feita em um parecer enviado no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.348.238, que discute os limites da competência normativa da agência reguladora.
A ação questiona trechos da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 14/2012 da Anvisa, que proibiu a utilização em cigarros de aditivos com propriedades nutricionais, adoçantes, edulcorantes, mel, melado ou qualquer outra substância que possa conferir aroma ou sabor doce aos produtos derivados do tabaco.
A norma também vedou a adição de substâncias que possam dar aroma ou sabor de temperos, ervas e especiarias. O objetivo é reduzir a atratividade e a palatabilidade dos produtos derivados do tabaco, diminuindo os riscos de gerar dependência no usuário.
O ministro Dias Toffoli, relator do recurso, suspendeu no início do mês todos os processos que tratam da competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para editar normas sobre a restrição à importação e comercialização de cigarros, em especial as contidas em uma resolução que proibiu o uso de aditivos no produto. A medida vale até o julgamento definitivo do recurso.
Para a entidade que ingressou com a ação, representante da indústria do tabaco, o ato normativo extrapolou os limites estabelecidos pelo legislador à Anvisa, já que as substâncias proibidas, por si só, não geram riscos à saúde.
Nesse sentido, a requerente argumenta que a medida fere os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da livre iniciativa, bem como a liberdade do consumidor de escolher o produto que deseja consumir.
O PGR, no entanto, considerou que a resolução está dentro dos limites da atuação da agência reguladora, respaldado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.874, em que o STF reconheceu a competência da Anvisa para editar atos normativos visando à organização e à fiscalização das atividades reguladas, diante do poder geral de polícia da administração sanitária.
Segundo Aras, a norma é compatível com a Constituição, que determina o dever estatal de garantir a saúde, a defesa do consumidor e o acesso à informação. Para ele, a decisão nada impacta no uso de insumos essenciais para a produção dos cigarros, o que afasta a alegação usada pela entidade tabagista de inviabilidade da indústria e do setor econômico.
“A atuação do poder público, portanto, possui intuito protetivo, especialmente quando se trata de práticas prejudiciais à saúde, como no caso de produtos comprovadamente capazes de gerar dependência”, afirma o PGR no parecer.
Aras pontuou que a Lei nº 9.782/199 – que definiu o Sistema Nacional de Vigilância – incumbiu à Anvisa a competência de controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. Também salientou que a restrição do uso de aditivos atende a obrigações internacionais assumidas pelo Brasil com a internalização da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco. O acordo, que entrou em vigor internacionalmente em 2005, tem como objetivo principal conter a epidemia global do tabagismo.
Aras opinou pelo desprovimento do recurso e sugeriu a fixação da seguinte tese:
1) A Anvisa, no exercício do seu poder regulatório, tem competência para editar normas sobre a restrição à importação e à comercialização de cigarros; e
2) É constitucional a edição de norma pela Anvisa que proíbe a fabricação, a importação e a comercialização, no país, de produtos fumígenos derivados do tabaco que contenham substâncias ou compostos que define como aditivos, a exemplo da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 14/2012.
Como recurso extraordinário foi submetido pelo STF à Sistemática de Repercussão Geral (Tema 1252), a decisão deverá ser seguida por todas as demais instâncias da Justiça.
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